sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Sebastianismo, História Sumária. José Van Den Besselaar. «Este joaquimismo não tardou a entrar na Península Ibérica, sobretudo no Reino de Aragão, o qual, devido à sua situação geográfica, estava muito exposto às influências do mundo mediterrânico. Atingiu também Portugal, não havendo dúvida que os frades menoritas…»

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«Sofrendo com a antinomia entre o sublime ideal e a triste realidade, muitos pensavam que só uma intervenção do Céu poderia suprimi-la, intervenção, aliás, que lhes parecia prometida por diversas profecias antigas e modernas. Os vaticínios, que sempre tinham surgido nos lances críticos da cristandade, começaram a brotar, como nunca antes, no fim da Idade Média. Quase todos eles estavam redigidos numa linguagem propositadamente enigmática, só compreensível aos iniciados. Ameaçavam calamidades que estavam prestes a cair sobre prelados, príncipes, ricos e exploradores, mas mostravam também grandes esperanças. Havia de vir um papa, Pastor Angélico, que, secundado por um grande monarca cristão Rei justo e piedoso, conseguiria transfigurar a sociedade cristã. A vida do Pastor Angélico seria um modelo de humildade, pobreza, e abnegação, em contraste flagrante com a vida principesca que levavam muitos papas da época. O papel do Rei justo e piedoso, muitas vezes imaginado como Imperador Mundial, seria o de acabar com o poder dos Turcos e o de estabelecer um reino de paz e justiça na terra. De acordo com as preferências pessoais dos profetas, que não raro mostravam espírito muito faccioso, o papel de Imperador poderia caber a um Francês, Inglês ou Alemão. Igualmente de acordo com as predilecções pessoais, o movimento reformador e profético podia revestir-se das formas mais variadas: espiritualismo, milenarismo, anarquismo, comunismo, nacionalismo, etc. - mas todas essas correntes prometiam um futuro melhor, garantido por Deus.
Algumas dessas profecias eram atribuídas a Joaquim, como, por exemplo, os comentários sobre Isaías e Jeremias, as glosas sobre o Oráculo Angélico e uma parte dos Vaticínios sobre os Papas. Outras eram postas na boca de uma das Sibilas (Eritreia, Sámia, etc.) e na de Merlino, o famoso mágico da saga celta. Vários destes vaticínios, não raro, entraram bastante deformados nas profecias sebásticas. Será escusado dizermos que o joaquimismo de data posterior pouco ou nada tem a ver com a doutrina autêntica de Joaquim de Fiore, embora cumpra reconhecer que este criou um clima propício para nascerem esperanças históricas e profecias apocalípticas.
Deixando aqui de lado o seu aspecto estritamente religioso, podemos dizer que o joaquimismo do fim da Idade Média é a esperança na vinda de um grande Reformador, que há-de livrar a cristandade de inimigos internos e externos e estabelecer um reino universal de paz e justiça. Este joaquimismo não tardou a entrar na Península Ibérica, sobretudo no Reino de Aragão, o qual, devido à sua situação geográfica, estava muito exposto às influências do mundo mediterrânico. Atingiu também Portugal, não havendo dúvida que os frades menoritas e, mais tarde, os monges de São Jerónimo foram transmissores importantes da nova mentalidade. Já nos anos críticos de 1383 a 1385 existia um forte messianismo em Portugal, do qual o sermão de frei Pedro, transmitido por Fernão Lopes, é a expressão mais manifesta. Uma vez arraigado nas terras de Espanha, o joaquimismo sofreu diversas influências regionais e, passando por várias etapas ainda não devidamente estudadas, acabou por traduzir-se, na parte final do século XV em profecias rimadas, coplas, trovas, etc., cujo impacto foi decisivo para Bandarra, o grande profeta de quase todos os messianistas portugueses.

Portugal, um solo fecundo
Acima ficou dito que a terra lusitana era solo fecundo para o vicejar do joaquimismo. A afirmação pede alguns esclarecimentos mais pormenorizados. Passo a dá-los, não no sentido de causas determinantes, mas no de factores que, a posteriori, nos tornam compreensível a intensidade do fenómeno em Portugal, bem como a sua longa duração. Em primeiro lugar, Portugal continuava a ser uma sociedade sacral, em que todos os sectores da vida estavam impregnados de religiosidade, ao passo que diversos outros povos da Europa, sobretudo os do Norte, se iam secularizando sob a influência do humanismo e do protestantismo». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.

Cortesia de CV Camões/JDACT