sábado, 12 de janeiro de 2013

O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910). Luiz Rebello. «… em Portugal é promulgado o Código Civil e abolida a pena de morte (1867), o movimento popular da “Janeirinha” leva à queda do ministério de Joaquim António de Aguiar (1868), extingue-se a escravatura em todos os domínios (1869). Saldanha abre uma nova crise no regime, ano em que Portugal fica ligado a Inglaterra pelo cabo submarino (1870)»

Cortesia de wikipedia

O Legado Romântico
«[…] Suficiente para evidenciar a sua origem e limites burgueses, confirmando assim o acertado juízo de Henri Lefebvre, para quem o melodrama é a forma teatral que tem mais imediatas relações com a estrutura e a vida real, a vida quotidiana dos homens na época burguesa. Falar de realismo a seu propósito é, pois, estilística e ideologicamente errado (embora não deva subestimar-se o papel que estes dramas desempenharam na evolução histórica que ao realismo conduziu). Mendes Leal ao defender uma aproximação da realidade que não deixasse de ser ideia, declarava preferir a nudez da estátua à nudez do hospital e perguntava:
  • Que se lucra em mostrar a verdade ignóbil, a verdade nauseante, a verdade pustulenta, a verdade calosa dos pés, disforme de corpo, estranha de rosto?
Tinha razão Camilo Castelo Branco quando, nos seus Esboços de Apreciações Literárias, escrevia que o drama, chamado realista, deveria ser antes chamado o drama espiritual.

O Teatro em 1871
Os Esboços, de Camilo, foram publicados em 1865. Nesse mesmo ano subiram à cena, respectivamente, nos Teatros Nacional e das Variedades, Os Operários, de Biester e As Glórias do Trabalho, de Leite Bastos, dois produtos típicos desta dramaturgia que só por equívoco parecia então corresponder à missão que o teatro moderno deve desempenhar (Silva Túlio, acerca de Os Operários). O drama de Biester, em que a reconciliação final do capital e do trabalho é selada pelo Hino do Trabalho de Castilho, mereceu a este um pomposo louvor, precisamente por adequar-se a essa missão do teatro:
  • escola de sentimentos honrados, de doutrinas sãs e fecundas, mas sem ênfases de socialismos nem lisonjas perigosas... De aferro aos deveres, de amor ao trabalho, de beneficência mútua, enfim, em toda a amplíssima e variadíssima acepção destas duas palavras, cifra e epílogo duma ideia indivisível.
Ora, foi no mesmo ano em que Castilho escrevia estas palavras que a sua carta-prefácio ao Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas veio precipitar a ruptura entre duas gerações e, mais do que isso, entre dois conceitos não apenas de literatura mas (sobretudo) de vida. O texto polémico do velho poeta cego, a sua cegueira levara-o a supor a plateia do Teatro Nacional apinhada de mais homens de trabalho e povoação das oficinas, que de casquilhos de passeios e salas... Era de certo modo o grito de alarme de uma literatura oficial, anémica e conservadora, ameaçada por uma nova escola que fazia do inconformismo e da necessidade de profundas transformações no corpo da sociedade portuguesa a sua bandeira. Dois jovens poetas, Antero de Quental e Teófilo Braga, que nesse ano e no anterior haviam publicado, respectivamente, as Odes Modernas e a Visão dos Tempos, saíram à estacada em defesa das novas ideias, alvo do reaccionário ataque de Castilho. Assim nasceu o que viria a ser conhecido pela Questão Coimbrã ou do Bom Senso e Bom Gosto, primeira grande batalha travada pela implantação do realismo nas letras e artes nacionais, de que as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense e a sua arbitrária proibição pelo Governo iriam ser, em 1871, um marco decisivo.


Entre 1865 e 1871 muita coisa aconteceu em Portugal e fora do país. Lincoln é assassinado nos Estados Unidos em 1865, e no ano seguinte é reconhecida aos negros a igualdade civil. Também em 1866 começa a funcionar o primeiro cabo transatlântico. Maximiliano do México é fuzilado em 1867, e dois anos depois inaugura-se o canal de Suez. A Revolução espanhola de 1868 destrona Isabel II, Roma é ocupada pelos italianos em 1870, ano em que o exército prussiano de Bismarck invade a França, derrota Napoleão III em Sédan e cerca Paris, que se rende. E a 18 de Março de 1871 começa a gesta heróica da comuna de Paris, afogada em sangue na trágica semana de 21 a 28 de Maio. No mesmo período, em Portugal é promulgado o Código Civil e abolida a pena de morte (1867), o movimento popular da Janeirinha leva à queda do ministério de Joaquim António de Aguiar (1868), extingue-se a escravatura em todos os domínios (1869), o pronunciamento de Saldanha abre uma nova crise no regime no mesmo ano em que Portugal fica ligado a Inglaterra pelo cabo submarino (1870).
O inventário literário e artístico destes anos põe em evidência o desfasamento da nossa cultura em relação ao estrangeiro: enquanto Claude Bernard publica a Introdução à Medicina Experimental e Taine inicia a publicação da Filosofia da Arte em 1865, Dostoïevski dá sucessivamente à estampa o Crime e Castigo em 1866, o Idiota, em 1868 e Os Possessos em 1871, Marx o primeiro volume do Capital em 1867 e Tolstoï o último da Guerra e Paz no ano seguinte, em que também sairiam a Teresa Raquin de Zola e os Poemas em Prosa de Baudelaire, e aparecem em 1869 as Festas Galantes de Verlaine, os Cantos de Maldoror de Lautréamont, a Educação Sentimental de Flaubert, e em 1871 o primeiro tomo da série dos Rougon-Macquart de Zola, em Portugal os livros de versos que se editam são a Paquita e as Canções da Tarde de Bulhão Pato em 1866, a Delfina do Mal e os Sons que Passam de Tomás Ribeiro em 1868, as Flores do Campo de João de Deus no mesmo ano, as Miniaturas de Gonçalves Crespo em 1870, as Primaveras Românticas de Antero em 1871, e os romances A Queda dum Anjo (1866), O Retrato de Ricardina (1868) e Os Brilhantes do Brasileiro (1869), de Camilo, As Pupilas do Senhor Reitor (1867), Uma Família Inglesa e A Morgadinha dos Canaviais (1868), de Júlio Dinis, e o Mistério da Estrada de Sintra, de Eça e Ramalho, em 1870. A simples comparação destes títulos é suficiente para evidenciar até que ponto Portugal continuava separado do mundo apesar de o caminho de ferro o ligar à Europa, através da Espanha, desde 1863». In Luiz Rebello, O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910, Série Literatura, volume 16, Instituto de Cultura Portuguesa, Livraria Bertrand, 1978, Centro Virtual Camões, Instituto Camões.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT