Oposições e Objecções
«Em Portugal não houve batalha romântica, nem os românticos do Primeiro
Romantismo encontraram oposições que os tornassem aguerridos e polémicos. José Agostinho Macedo, o único
capaz de lhes sair ao caminho, estava morto e não havia mais ninguém disposto
ao combate. Certamente muitas das figuras acreditadas da cultura portuguesa de
então relutaram em aceitar a nova escola, mas não saíram a combate-la. Conhece-se
uma carta de frei Francisco de S. Luís, o futuro cardeal Saraiva, datada de 23
de Fevereiro de 1839, que é reveladora dessa posição.
Escreve o erudito:
- O toque de que acima falo é o romântico, sobre o que julguei conveniente explicar-me. Devo confessar que ouvi e li muitas vezes esta palavra, sem poder conhecer bem o que ela significava, e tendo vergonha de o perguntar. Um dia lembrou-me de ir consultar o Diction. français portugais et portug.-franc., que me dizem ser feito por alguns portugueses doutos e impresso em Paris em 1812 ou 1816. Achei com efeito este artigo: Romantique, adj. m. et. femin., que lembra novelas, situações delas, etc. Diz-se dos sítios. V. S.ª julgará se esta definição é clara e adequada: eu pouco aproveitei com ela. Quando ouvia falar em certas peças de Teatro, que agora se fazem em quadros, diziam-me: é romântica. Quando li algures versos que eu não entendia à primeira leitura, dizia eu: Camões, Ferreira, Sá de Miranda não escreviam assim; a resposta era: é estilo romântico. A isto instava eu: romântico dizem que é o que lembra novelas… Eu tenho lido com gosto, por exemplo, o Palmeirim, e entendo-o bem; logo o estilo romântico não é que se esvanece em elevações místicas ininteligíveis. Um dia apertei, um pouco de mais, um apaixonado das romanticidades e ele não achou refúgio, disse-me por último, que em tudo havia modas, e que esta era actualmente a moda da linguagem. Daqui para diante não podia o argumento dar mais passos; porque quem se opõe à moda é jarreta, é tonto, é do tempo dos Afonsinhos, e eu não queria nenhum destes sobriquets. Veio enfim de Paris um meu amigo e bom literato, e pedi-lhe que me dissesse o que lá entendiam por romântico. Respondeu-me que era o desprezo das regras estabelecidas pelos clássicos em todos os géneros de literatura. Veja V. S. se eu podia ser amigo do romântico, entendido neste sentido.
Mais adiante, na mesma
carta, acrescenta:
- Em resumo: escrevam-se embora novelas; escrevam-se histórias pitorescas; escrevam-se belas descrições de lugares, sítios, de vistas de países; pintem-se com cores próprias os grandes quadros da natureza, as suas obras grandiosas e magníficas, os seus ornamentos, os seus brincos, todas as suas lindezas; mas faça-se tudo isto em português inteligível, casto, fluido, lúcido, - no português de Camões, de fr. Luís de Sousa, de Lucena, de Fernão Mendes, de Francisco de Morais etc, etc. E, finalmente: Não sou tão dos tempos antigos que me reduza a só laudator temporis acti; não queria reprimir os esforços, os arrojos, os felizes atrevimentos de uma imaginação viva, ardente, às vezes impetuosa, etc. O que só quero, ou desejo, é que em tudo isto haja modo e regra e temperança.
Há tolerância neste
desacordo e a crítica é tímida e os propósitos pacíficos. Frei Francisco de S.
Luís não se apercebeu do problema de linguagem que se impunha à expressão da
nova literatura, errando rotundamente ao julgar que era com estrita fidelidade à
linguagem de Camões ou de Francisco de Morais que a nova poesia,
o novo drama, a nova novela se podiam realizar. Mais tarde, Camilo Castelo Branco usaria de
critério semelhante na apreciação da obra de Eça de Queirós.
Também Francisco Freire de Carvalho repudiava
o Romantismo, considerando-o o novo gongorismo
da actual Escola Francesca; e se é certo que anunciou, com propósitos
impugnadores, uma Memória sobre o
género de poesia denominado romântico e sua comparação com o denominado
clássico, é também certo que nunca o publicou.
Os reparos polémicos
ficavam reservados, faziam-se na intimidade da epístola ou da palestra. Na
imprensa, apenas um ou outro folhetinista mais rabugento, ocultando o nome em
pseudónimo ou inicial, saía a despique. Cito, como exemplo frisante, um que no Correio de Lisboa, no número de 15
de Fevereiro de 1839, não podendo conter a sua indignação pela revolução que o género romântico fez na sociedade, na literatura, na política e até na
religião, terminava o seu folhetim, assinado apenas pela inicial Z, com a
seguinte síntese que não é brilhante mas significativa:
- Romanticismo, é a luz que alumia o actual século, é a demagogia da literatura e do coração, seus terríveis efeitos são, a anarquia literária, e o egoísmo sentimental.
In Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português,
Instituto de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões,
oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.
Cortesia do Instituto
Camões/JDACT