terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Os Poemas da Minha Vida. Maria Alzira Seixo. «É quase impossível encontrar alguém que confesse ou ter merecido as penas que sofre, ou procurado ou desejado as honrarias de que goza»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Cena do Ódio (fragmentos)
[…]
O ódio do último instante
do condenado inocente!
A podenga do Limbo mordeu raivosa
as pernas nuas da minh'Alma sem baptismo...
Ah! que eu sinto, claramente, que nasci
de uma praga de ciúmes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a Alma dos Bórgias a penar!

Tu, que te dizes Homem!
Tu, que te alfaiatas em modas
e fazes cartazes dos fatos que vestes
pra que se não vejam as nódoas de baixo!
Tu, qu'inventaste as Ciências e as Filosofias,
as Políticas, as Artes e as Leis,
e outros quebra-cabeças de sala
e outros dramas de grande espectáculo...
Tu, que aperfeiçoas a arte de matar...
Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança
e o Caminho Marítimo da Índia
e as duas Grandes Américas,
e que levaste a chatice a estas terras,
e que trouxeste de lá mais Chatos pràqui
e qu'inda por cima cantaste estes Feitos...
Tu, qu'inventaste a chatice e o balão,
e que farto de te chateares no chão
te foste chatear no ar,
e qu'inda foste inventar submarinos
pra te chateares também por debaixo de água...
Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres...
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!

[...]
Hei-de, entretanto, gastar a garganta
a insultar-te, ó besta!
hei-de morder-te a ponta do rabo
e pôr-te as mãos no chão, no seu lugar!
Aí! Saltimbanco-bando de bandoleiros nefastos!
Quadrilheiros contrabandistas da Imbecilidade!
Aí! Espelho-aleijão do Sentimento,
macaco-intruja do Alma-realejo!
Aí! maquerelle da Ignorância!
Silenceur do Génio-Tempestad !
Spleen da Indigestão!

[...]
E eu vivo aqui desterrado e Job
da Vida-gémea d'Eu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,
órfão da Virgem do meu sentir.

[...]
E tu, também, vieille-roche, castelo medieval
fechado por dentro das tuas ruínas!
Fiel epitáfio das crónicas aduladoras!
E tu também ó sangue azul antigo
que já nasceste co'a biografia feita!
Ó pajem loiro das cortesias-avozinhas!

Ó pergaminho amarelo-múmia
das grandes galas brancas das paradas
e das vitórias dos torneios-lotarias
com donzelas-glórias!
Ó resto de ceptros, fumo de cinzas!
Ó lavas frias do vulcão pirotécnico
com chuvas d'oiros e cabeleiras prateadas!
Ó estilhaços heráldicos de vitrais
despegados lentamente sobre o tanque do silêncio!
Ó cedro secular
debruçado no muro da Quinta sobre a estrada
a estorvar o caminho da Mala-posta!

E vós também, ó gentes do Pensamento,
Ó Personalidades, ó Homens!
Artistas de todas as partes, cristãos sem pátria,
Cristos vencidos por serem só Um!
E vós, ó Génios da Expressão,
e vós também, Ó Génios sem Voz!
Ó além-infinito sem regresso, sem nostalgias,
Espectadores gratuitos do Drama-Imenso de Vós-Mesmos!
Profetas clandestinos
do Naufrágio de Vossos Destinos!

Poema de Almada Negreiros, in “Maria Alzira Seixo, Os Poemas da Minha Vida


continua
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