NOTA: De acordo com o original
Canto Primeiro
O regresso do duque
I
«Da gélida mortalha, que
te involve,
ó génio do passado altivo
surge;
da gloria d’este povo, que
foi grande,
os hymnos um momento audaz
desperta.
Dos luzos d'outras eras dai-me
o esforço,
prestai-me no meu canto o
fogo, o impeto
que as quinas
portuguezas sobre os mares
por ignotas paragens dirigia.
Tu idolo prostrado, estro
fecundo.
Da campa, que três séculos
calcaram,
levanta o marcio vulto, o
fero porte,
e n'um grito d'angustia aos
povos narra
o que foi a nação aventurosa,
qual o arrojo, o poder dos
lusitanos.
Proclama ao som das tubas
vencedoras
o terror, o respeito, que
no mundo
ás nações mais possantes este povo
pequeno mas heroe sob’rano
exige.
Desperta do teu somno prolongado,
e a espada flammejante sobre
as cinzas
d’esses dias de gloria ergue
arrogante.
II
Só tu, que dois colossos
reuniste
sobre o throno onde brilha
aereo labaro,
onde a c'rôa fulgente de
Petrarcha
os vindouros invita a
eterna fama;
só tu, que os dois gigantes
do talento,
de Lysia padrões d'eterna
gloria,
a quem lustros sessenta separaram,
uniste num só elo
indissoluvel;
e de louros cercados lá no
Olympo
os deixaste formando a luz
do espirito,
o génio que preside ás lettras
pátrias:
só tu, que de Camões e de
Garrett
o idolo formaste d'este povo,
que n'elles sempre vivos
tem seus fastos,
repletos de bravura e d'
heroísmo;
só tu meu guia podes ser
nas trevas,
que abundam sobre a misera
progenie
de vultos, que serão immorredouros
da patria, das nações, no
livro aberto.
Oh! Presta-me um momento,
(ser não julgo
pretencioso, fero desacato),
a lyra, que pulsou
sublime vate;
dá-me o estro, a candura, o sentimento,
uma faisca só d'aquelles
fachos,
que o mundo alumiaram com
seu brilho,
que aos povos do porvir ensina
o rastro.
III
Das quinas o pendão, terror
da Lybia,
descendo pelas plagas
arenosas,
galgara já por fim além dos
trópicos;
das tormentas ao cabo era
chegado,
e ovante se implantára em
novas terras,
entre gentes, que os filhos
d'esta Europa
jamais tinham sonhado.
Inda seguia
sob um ceu nunca visto, em
novos mares,
do Ganges a buscar as férteis
ribas,
da India opulenta o grande
imperio:
E nos mares d'oeste tremulando,
a encontrar lá ia um mundo
virgem,
onde surge qual sonho um
novo império,
o rei afortunado ao
sceptro d'ouro
o oceano acurvara, e com
orgulho
no throno foi sentar-se de
dois mundos!
De faustosa nobreza
rodeado,
do rispido João largando
a senda,
o brilho renovou d'aureos
califas,
Os nobres desterrados avocando
á terra de seus paes. De
novo á corte
O mais nobre fidalgo então
volvia,
O duque de Bragança, o
tenro joven
D. Jayme, que no exilio inda
expiava
do seu progenitor rebelde
intento.
O duque de Bragança, o alto
vertice
da mais alta nobreza lusitana.
continua
In José Carlos Gouveia, A Duquesa
de Bragança, Poema em Oito Cantos, Lisboa, Tipographia e Stereotypia Moderna,
Lisboa, 1898, Discens Laborans Ébora, Gabriel Augusto Mendes, 1898.
Cortesia de Discens Laborans Ébora/JDACT