Despedida
Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos
quando anunciaste a despedida,
e eu que habitara lugares secretos
e me embriagara com os teus gestos,
recolhi as palavras vagabundas
como a tempestade que engole os barcos
porque ama os pescadores.
Impossível separarmo-nos
agora que gravaste o teu sabor
sobre o súbito
e infinito parto do tempo.
Por isso te toco
no grão e na erva
e na poeira da luz clara,
a minha mão
reconhece a tua face de sal.
E quando o mundo suspira
exausto
e desfila entre mercados e ruas,
eu escuto sempre a voz que é tua,
e que dos lábios
se desprende e se recolhe.
Ali onde se embriagam
os corpos dos amantes,
o teu ventre aceitou a gota inicial
e um novo habitante
enroscou-se no segredo da tua carne.
Nesse lugar
encostámos os nossos lábios
à funda circulação do sangue,
porque me amavas
eu acreditava ser todos os homens,
comandar o sentido das coisas,
afogar poentes,
despertar séculos à frente
e desenterrar o céu
para com ele cobrir
os teus seios de neve.
In Maio 1977
Poema de Mia Couto, in ‘Raiz
de Orvalho’
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