quarta-feira, 6 de março de 2013

A Arquitectura Religiosa Cristã de Velha Goa. Segunda metade do Século XVI – Primeiras Décadas do Século XVII. António Nunes Pereira. «O Papa concedeu ainda à Ordem de Cristo e ao rei de Portugal privilégios no ultramar no domínio eclesiástico comparáveis aos de um bispo, como por exemplo fundar igrejas e mosteiros e propor a nomeação de clérigos à Santa Sé»

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Contexto histórico
O Estado da Índia e o Padroado Português do Oriente. Os profissionais da arquitectura
«Com a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, em 1497 / 1498, atingiu-se um dos mais importantes objectivos da expansão portuguesa, que se tinha iniciado em 1415 com a conquista de Ceuta. Os portugueses tinham chegado a um ponto decisivo da rota das especiarias e estavam assim possibilitados de a alterar segundo as suas próprias conveniências. Isso significava desviar o seu curso em direcção à Europa praticado até então, através da península Arábica, do Mediterrâneo e de Veneza, fazendo-o passar por Lisboa, torneando as costas africanas. Para isso era necessário aniquilar o comércio árabe no oceano Índico, através do qual as especiarias eram levadas da Índia para a península Arábica e que representava o primeiro elo da rota tradicional das especiarias. A concorrência e agressão portuguesas em relação aos comerciantes árabes teve por consequência uma reacção animosa por parte destes, que se viam assim privados da sua fonte de riqueza. Para assegurar a sua supremacia, os portugueses viram-se por seu lado obrigados a fixar-se permanentemente nas costas do oceano Índico, e na própria Índia. Assim, o rei Manuel I ordenou a Francisco de Almeida a edificação de fortalezas em pontos estratégicos para garantir a defesa dos estabelecimentos e do comércio marítimo dos portugueses nesta área do globo. A nomeação do mesmo Francisco de Almeida para vice-rei da Índia, em 1505, representou uma alteração decisiva na política da Coroa em relação à até então vigente, necessária para a consolidação da presença dos portugueses no Oriente. Fundou-se assim o Estado da Índia, ao qual viriam a pertencer até aos anos 70 do século XVI todos os territórios a oriente do cabo da Boa Esperança sob domínio português.
Com a fundação do Estado da Índia, a Coroa portuguesa instituiu uma administração central no Oriente, que, se por um lado dependia de Lisboa, possuía, por outro, uma autonomia relativa. O rei era aqui representado por um vice-rei ou governador, em regra por um período de três anos. Este estava à frente de uma administração com modelo na da metrópole e que tinha por função garantir a existência e a defesa do comércio marítimo, dos navios e dos territórios portugueses, assim como das missões de cristianização no Oriente. Numa primeira fase, os portugueses tinham-se fixado em Cochim, com autorização do governador desta cidade, que lhes era favorável. Mas, em 1510, Afonso de Albuquerque conquistou a cidade de Goa, uma metrópole comercial florescente, até então sob governo islâmico, que fazia parte do reino de Bijapur desde 1489. A sua localização vantajosa levou o governador Nuno da Cunha a mudar a sede do governo de Cochim para Goa, em 1530. Com a expansão portuguesa durante os séculos XV e XVI tornou-se necessário organizar canonicamente a consequente expansão do cristianismo. As bulas Respublica christiana, de 1418, e Dum diversas, de l412,tinham concedido aos portugueses, através da autoridade papal, os privilégios de descobrir e conquistar territórios fora do mundo cristão e de subjugar os seus habitantes. Para Portugal, estas bulas representavam a legitimação na Europa do domínio português sob os territórios até então conquistados. A bula papal Romanus pontifex, de 1455, foi ainda mais longe, reconhecendo não só o domínio português de todos os territórios até então conquistados e a conquistar no futuro, mas também proibindo, sob pena de excomunhão, a navegação estrangeira nestes domínios sem autorização do rei de Portugal. O Papa concedeu ainda à Ordem de Cristo e ao rei de Portugal privilégios no ultramar no domínio eclesiástico comparáveis aos de um bispo, como por exemplo fundar igrejas e mosteiros e propor a nomeação de clérigos à Santa Sé. Com esta bula foram lançados os fundamentos do padroado real português no Oriente. Ao mesmo tempo, era regulamentado o papel da Ordem de Cristo nos domínios conquistados. Esta ordem tinha sido desde muito cedo envolvida no processo dos descobrimentos, sobre tudo por ter tido como grão-mestre o infante Henrique, e permaneceu sempre ligada à Coroa, pois o cargo de grão-mestre era tradicionalmente atribuído a um membro da família real. Uma outra bula papal, a Inter caetera, de 1456, confirmou os privilégios e direitos eclesiásticos, ou seja, de padroado, atribuídos pela Romanus pontifex ao rei português em relação a territórios conquistados. A diferença em relação às bulas anteriores é que agora se mencionavam limitações destes direitos, nomeadamente em territórios que viessem a pertencer a uma diocese. Neste caso, alguns dos direitos de padroado da Ordem de Cristo passariam para o rei e para o respectivo bispo.


O Tratado de Tordesilhas, em 1494, entre Portugal e Espanha, com mediação papal, regulava não só as pretensões de ambos os países ibéricos sobre novos territórios descobertos, mas limitava também geograficamente os privilégios e direitos do rei português». In António Nunes Pereira, A Arquitectura Religiosa Cristã de Velha Goa, Segunda metade do Século XVI, Primeiras Décadas do Século XVII, Orientalia, Fundação Oriente, Lisboa, 2005, ISBN 972-785-084-7.

A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia da F. Oriente/JDACT