A Profecia. D. Teresa e o rei
Afonso Henriques
«No Verão de 1127 , uma
tentativa de serenar os ânimos transforma-se, perversamente, na oficialização do
diferendo. O governo do condado é dividido em dois:
- Afonso Henriques é senhor das terras de Guimarães até ao Douro;
- Dona Teresa daí até ao Mondego.
Um condado bicéfalo, com uma capital oficiosa em Guimarães e outra em
Coimbra, que estava prestes a partir-se ao meio. A tensão acumulava-se e o
infante nada fazia por evitá-la. Neste drama familiar à escala da Península,
chega aos ouvidos do primo, aliás, Afonso
VII, rei de Leão e Castela, o rumor de que o príncipe portucalense
granjeia poder a cada dia que passa, escapa totalmente ao controlo da tia e
deseja fazer frente à sombra leonesa. Afonso
VII, que quer ser imperador de toda a Hispânia, decide cortar o mal
pela raiz, antes que alastre. Invade o Condado Portucalense e cerca
Guimarães, com o primo rebelde 1á dentro. Temendo pela vida do infante e
daqueles que com ele estavam, o aio Egas Moniz apressa-se a viajar até
Toledo para falar ao rei. Alega que os rumores postos a circular não passam de
mentiras perigosas, orquestradas por inimigos. Que Afonso nada nutria por Leão e Castela senão uma intensa admiração e
que, como prova disso, em levantando-se o cerco, ali se deslocaria em pessoa
para beijar a mão ao senhor de tão grande poderio militar, seu primo e seu rei.
Convencido da bondade dos argumentos do aio, Afonso VII ordena o levantamento do cerco.
Guimarães podia respirar de
alívio, mas não Egas Moniz. Chamar-lhe aio pode induzir em erro. Egas
Moniz era um cavaleiro e descendente de uma das famílias mais importantes
do condado. Foi ele mesmo quem, ao aperceber-se da crescente influência dos
Travas junto de Dona Teresa, decidiu apoiar Afonso nos desejos autonómicos. Mas
o infante nunca cumprirá a promessa feita a Afonso
VII. Pelo contrário: a partir do momento em que sentir reunidas as
forças suficientes, avançará contra ele. Em consequência disso mesmo, diz a
lenda, e diz Camões n’Os Lusíadas, que Moniz voltará a Toledo,
desta vez acompanhado pela família, para colocar a vida dele próprio e dos seus
ao dispor do imperador como pagamento pela falsa promessa. E diz também a lenda
que Afonso VII se teria
compadecido dele, perdoando-o e mandando-o embora em paz. O caso, contudo, como muitos outros nestes tempos e lugares, carece de
qualquer comprovação histórica.
Ainda antes do final do ano, Afonso
Henriques avançaria para a guerra. A guerra contranatura recordada pelos
séculos por colocar, frente a frente, um filho e a sua mãe. Pela primeira vez,
entra nos domínios, de Dona Teresa e Fernão Peres Trava, tomando os castelos de
Neiva e da Feira. As tropas maternais pedem tréguas, mas as tentativas de negociação
saem goradas dos encontros de Vila Nova de Paiva. Alguns meses depois, a 24 de
Junho de 1128, dá-se o confronto decisivo. Em Guimarães, no campo de
São Mamede, defrontam-se as tropas de Afonso
e Teresa. Infante e condessa-rainha estão lá em pessoa. A batalha é rápida
e a conclusão clara:
- sem que tivesse corrido demasiado sangue, as tropas do filho, maiores em número e mais bem apetrechadas de armas, vencem as da mãe. Afonso Henriques assume o governo do Condado Portucalense para não mais o perder, isso é certo;
- quanto ao destino que tenham tido Dona Teresa e Fernão Peres de Trava, esse já se esconde entre as neblinas medievais.
É aqui que nascem o mito e todas as dúvidas:
- Afonso bate fisicamente na mãe no decorrer da batalha? É pouco provável. Bateu-se contra ela, sem dúvida, e bateu nos partidários dela, supõe-se.
Para o que se passou depois contam-se pelo menos duas versões:
- uma diz que Dona Teresa fugiu para a Galiza com o amante;
- a outra, que Afonso Henriques a fez prisioneira e mandou encarcerar no Castelo de Lanhoso. Mas ambas concordam no que aconteceu a seguir.
Teresa não viveu muito mais, morrendo em 1130 e vindo mais tarde a ser sepultada em Braga, ao lado do
primeiro marido e não de Fernão Peres de Trava. Nada prova que Afonso Henriques
tenha batido na mãe ou que a tenha posto a ferros num cárcere, mas também não
consta que fosse homem dado a piedades ou perdões. Tê-la-ia deixado fugir
com o amante, correndo o mais que provável risco de um contra-ataque? Se
Teresa e Trava saíram livres de São Mamede, não há notícia de que tenham
tentado qualquer resposta, algo tão mais estranho quanto ambos conheciam melhor
do que ninguém os desejos expansionistas de Afonso. Terão ficado aquietados
pelo medo, assistindo como meros espectadores aos avanços do infante? Na
dúvida, sobram as lendas. E as lendas, como sempre, unem melhor do que
a verdade as pontas soltas da História. Se
Afonso pôs a ferros a mãe, o episódio liga melhor com outro que teria hora
marcada para os últimos anos de vida do rei, não esquecendo de permeio
a passagem pelo misterioso caso do Bispo Negro… In Alexandre Borges, Histórias
Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
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