(Continuação)
A Voz Dramática do “Velho Portugal”
25.ª - Recordo-vos que, por
ser esta gente de condição soberba e arrogante, a França, a, Inglaterra e toda
a Itália me favorecerão quanto for possível para que se não apoderem de mim, porque
a eles toca tanto quanto a nós. Da África não falo, porque falto de poder era o
meu bom Rei D. João primeiro quando não quis aceitar contra esta mesma gente o auxílio
do Rei de Granada, porque era de maometanos, fiado mais do auxílio de Deus que
nunce lhe faltou.
26.ª - Recordo-vos que além
destas razões queirais indagar e saber da gente destes Estados submetidos de que
modo são tratados e governados. E vos dirão que por modos insuportáveis. Vede quanto
convém que eu seja livre, para não ser tratado como outras nações vencidas e debeladas
por eles, que não têm mais que vingar-se. E de nós têm também fresca a querela
da morte de seus avós e parentes, cuja memória lhes pede vingança, o que certo
farão estando nós submetidos, como terá experimentado quem já tratou com eles.
27.ª - Recordo-vos quando o
meu Rei D. Afonso V esteve prestes a ser senhor desta gente nas guerras que lhe
fez se tivesse tido conselho e ainda naquela batalha de Torquemada tão desigual,
foi o campo para nós que embora ficássemos derrotados nesta guerra, foi cómodo
ao Rei D. Fernando que o não deixássemos.
28ª - Recorda-vos que,
depois de ser monarca, este Rei D. Fernando ponderou muito romper a paz comigo e
a aliança na qual o pôs o meu bom D. João II. E recordo-vos o conselho que
nisto lhe mandou D. Beatriz sua tia, o qual guardei para que se envergonhem de
falar nesta senhora alguns portugueses que se julgam homens.
29.ª - Recordo-vos quantas
vezes vos tem Deus livrado de uniões e congregações desta gente, quando tudo já
estava preparado e disposto sem que vos mostrasse haver remédio segundo o juízo
humano. Se o Senhor, por sua bondade me livrou então, quem me diz que não será
assim agora pelo que não deixeis de procurar a liberdade, que não há coisa, melhor
na vida, e achando-me eu para fazer isto, melhor agora do que nunca.
30.ª - Recordo-vos que, quando
o Rei João de Castela veio a segunda vez contra mim, a Câmara de Lisboa mandou chamar
teólogos para que vissem o que estava em mim digno de emendar-se, o que fizeram
para terem Deus propício, e sabendo-o o fizeram, e feito sucedeu o que agora
sucederá, se vós fizerdes o mesmo e quiserdes em todas as coisas pôr à frente
este Senhor.
31.ª - Recordo-vos que a
perda sucedida agora em África não diminui nada o meu poder para tudo aquilo que
for necessário. Excepto o meu Rei não ficaram mais que os cabelos da cabeça; e
as unhas, e o resto do corpo ficou-me inteiro e são, que sempre foi o que pugnou.
Do que será boa testemunha o meu bom Rei D. João II.
32.ª - Recordo-vos, maiores e
nobres meus, que não vos ceguem pretensões para que ddeixeis de fazer o que
sois obrigados, enganando-vos com aquelas e com os seus intentos. E, como estão
fora do dever, pagam como já os pagaram os que pensavam ter ganho no tempo do
meu bom Rei D. Sebastião, meu Senhor.
33.ª - Recordo-vos e peço-vos
muito que queirais governar-vos por aquilo que a experiência tem ensinado, como
já disse, e não já por motivos temporais e aparentes, os quais sempre são interessados
e suspeitos por falsos e enganosos.
34.ª - Recordo-vos mais a
boa conduta com que sempre se portaram os meus Reis para convosco, e a veneração
com a qual sois respeitados até pelos seus governadores, tão diversamente do que
se usa, em Castela. E que, se vos envolverdes e vos unirdes com ela, entreis
num pélago onde sereis absorvidos sem que nunca sejais vistos e ouvidos». In
Mário Domingues, O Prior do Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição
da L. Romano Torres, Lisboa, 1965.
continua
Cortesia de Romano Torres/JDACT