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NOTA: De acordo com o original
«Lisboa,
que tem memoria rebelde e que ás vezes leva quinze annos a aprender um nome de
que depois se esquece em seis mezes, tem retido estas tres syllabas que durante
seis annos tantas vezes soaram entre nós - Mongini. O artista privilegiado
que á sua chegada a Lisboa soube luctar com todas as reminiscências do publico,
vence pelas saudades, que ainda agora todos temos d'elle, os tenores que teem vindo
depois. Se uns não esquecem pelo sublime, outros não esquecem… pelo ridiculo. Cuida-se
ainda estar vendo a De Giuli-Borsi, alta, magra, estitica, espalmada,
voz larga, bocca mais larga ainda, bocca phenomenal, que a tornou mais citada do
que o talento e do que o canto desde que, uma noite da Traviata, certa família, que
assistia á recita do alto de um camarote de terceira ordem, poude avistar, durante
os gorgeios de uma ária, no interior do estômago da prima-donna, um perdigoto
que ella comera ao jantar!
Entretanto
o mais original, o mais pantafassudamente original de quantos artistas teem pisado
aquelle palco glorioso, foi decerto Beneventano, il cavaliére de Beneventano!
Il barone Beneventano! - Um galant’uommo, como se diz em Itália. Affabilissimo,
delicadissimo, suavissimo, cantando como ninguém a musica rossiniana, il mio
bravo interprete Beneventano! dizia delle Rossini, correctissimo,
affectadissimo, e paspalhissimo! Beneventano era um gentleman emproado, mas era
um gentleman.
Cantando,
era um artista.
Andando,
era um nababo.
Conversando,
era um paladino.
Gesticulando,
era um acrobata.
Vestindo,
era uma caricatura.
E...
Vestindo,
gesticulando, conversando, andando, cantando, era sempre um charlatão. Charlatão
de talento, charlatão com merecimento, mas charlatão. Ares de Falstaf, com um quê
de Prud’homme, outro quê de Don Quixote, e um quê também de
Roberto Macário. Só um chimico poderia bem examinar de que singulares segredos se
compunha aquelle macassar. Porque era um macassar! No reclame, na fama, no brilho,
na suavidade, no oleoso, na importância… O
sublime macassar! diz Byron no D. João. A guarda roupa d’este dio del
canto era assombrosa. Tinha setenta casacos, e vinte e dois paletós. Só
em colletes novos, renovava o painel das onze mil virgens!
O nosso conhecimento fez-se de um modo curioso. Eu escrevera
muitas vezes a seu respeito dando-lhe o louvor de que era digno, mas sem a foguetada
de elogios a que os artistas vivem habituados na imprensa. Os meus folhetins, e
n'esse tempo eu estava só em campo, e a Revolução de Setembro era o unico jornal
que tinha revista critica da semana, cahiram-lhe em graça, e constava-me, ora por
um ora por outro, que o divino Beneventano
me fazia as melhores ausências». In Júlio César Machado, Os Teatros
de Lisboa, Ilustrações de Bordalo Pinheiro, Livraria Editora Mattos Moreira,
1874, PN 2796 L5M25, Library Mar 1968, University of Toronto.
Cortesia de Livraria Editora Mattos Moreira, 1874/Bordalo Pinheiro/JDACT