sexta-feira, 1 de março de 2013

Os Teatros de Lisboa: Júlio C. Machado. Ilustrações de Bordalo Pinheiro. «O mais pantafassudamente original de quantos artistas teem pisado aquelle palco glorioso, foi decerto “Beneventano”, il cavaliére de Beneventano! Um galant’uommo, como se diz em Itália»

De Giuli-Borsi
jdact

NOTA: De acordo com o original

«Lisboa, que tem memoria rebelde e que ás vezes leva quinze annos a aprender um nome de que depois se esquece em seis mezes, tem retido estas tres syllabas que durante seis annos tantas vezes soaram entre nós - Mongini. O artista privilegiado que á sua chegada a Lisboa soube luctar com todas as reminiscências do publico, vence pelas saudades, que ainda agora todos temos d'elle, os tenores que teem vindo depois. Se uns não esquecem pelo sublime, outros não esquecem… pelo ridiculo. Cuida-se ainda estar vendo a De Giuli-Borsi, alta, magra, estitica, espalmada, voz larga, bocca mais larga ainda, bocca phenomenal, que a tornou mais citada do que o talento e do que o canto desde que, uma noite da Traviata, certa família, que assistia á recita do alto de um camarote de terceira ordem, poude avistar, durante os gorgeios de uma ária, no interior do estômago da prima-donna, um perdigoto que ella comera ao jantar!
Entretanto o mais original, o mais pantafassudamente original de quantos artistas teem pisado aquelle palco glorioso, foi decerto Beneventano, il cavaliére de Beneventano! Il barone Beneventano! - Um galant’uommo, como se diz em Itália. Affabilissimo, delicadissimo, suavissimo, cantando como ninguém a musica rossiniana, il mio bravo interprete Beneventano! dizia delle Rossini, correctissimo, affectadissimo, e paspalhissimo! Beneventano era um gentleman emproado, mas era um gentleman.

Cantando, era um artista.
Andando, era um nababo.
Conversando, era um paladino.
Gesticulando, era um acrobata.
Vestindo, era uma caricatura.

E...
Vestindo, gesticulando, conversando, andando, cantando, era sempre um charlatão. Charlatão de talento, charlatão com merecimento, mas charlatão. Ares de Falstaf, com um quê de Prud’homme, outro quê de Don Quixote, e um quê também de Roberto Macário. Só um chimico poderia bem examinar de que singulares segredos se compunha aquelle macassar. Porque era um macassar! No reclame, na fama, no brilho, na suavidade, no oleoso, na importância… O sublime macassar! diz Byron no D. João. A guarda roupa d’este dio del canto era assombrosa. Tinha setenta casacos, e vinte e dois paletós. Só em colletes novos, renovava o painel das onze mil virgens!

Beneventano

O nosso conhecimento fez-se de um modo curioso. Eu escrevera muitas vezes a seu respeito dando-lhe o louvor de que era digno, mas sem a foguetada de elogios a que os artistas vivem habituados na imprensa. Os meus folhetins, e n'esse tempo eu estava só em campo, e a Revolução de Setembro era o unico jornal que tinha revista critica da semana, cahiram-lhe em graça, e constava-me, ora por um ora por outro, que o divino Beneventano me fazia as melhores ausências». In Júlio César Machado, Os Teatros de Lisboa, Ilustrações de Bordalo Pinheiro, Livraria Editora Mattos Moreira, 1874, PN 2796 L5M25, Library Mar 1968, University of Toronto.

Cortesia de Livraria Editora Mattos Moreira, 1874/Bordalo Pinheiro/JDACT