Missão ao alvorecer
«Os dez fixam diante deles um olhar ausente. Têm
calor. Estão muito apertados. Nenhum se mexe. Só as pálpebras lhes pestanejam
nas órbitas. O cabo chama-se Motok. Está sentado na extremidade de um
banco. O cabo distingue-se dos nove soldados por dois galões de algodão
amarelo, cor de abóbora, cosidos nos ombros. Os galões de um cabo romeno são
tão largos e tão amarelos que se vêm melhor do que os de um general. Em lugar de
concederem autoridade àquele que os usa, têm, sobretudo, um aspecto de enfeites
de palhaço. Estes soldados romenos fazem parte da companhia da polícia militar
do tenente Fanoti.
Os dez estão colocados na rectaguarda, nesta
companhia, porque já não podem estar na linha de fogo. Cada um destes dez
soldados foi ferido várias vezes; ou sofrem de malária, de pelagra, ou de uma
úlcera no estômago. Pode dizer-se, simplesmente, que são muito velhos para
combater. Antes de partir de Pascani, o feldwebel Otto Ritter, diante do posto de comando, ordenou
aos soldados romenos para se separarem em dois grupos: cinco subiriam para o
primeiro camião, conduzido por ele, e os outros cinco para o segundo camião
conduzido pelo soldado alemão Hans Kurt. O tenente anulou esta ordem, com
indignação. Decidiu que os soldados romenos subiriam todos para o segundo
camião. Explicou ao alemão: - Os soldados romenos cheiram mal. Não posso admitir
que se sentem atrás de mim. Não posso suportar o seu cheiro. No primeiro camião
só vão o feldwebel e o tenente.
Os velhos soldados e o cabo vão amontoados no segundo.
O dia anuncia-se muito quente. O Sol ainda não nasceu.
Só os primeiros raios da aurora deslizam para Leste, como salpicos de sangue
fresco no manto azul do céu. A terra está, ainda, escaldante da véspera. Os
militares alegram-se, ao pensar que os camiões sobem em direcção às montanhas,
que se projectam para Oeste. No alto, fará mais fresco. O tenente aborrece-se.
De um estojo de coiro tira um binóculo incrustado de madrepérola e tendo o
escudo de prata dos príncipes Fanoti. É o binóculo com o qual o pai do jovem
oficial seguia as corridas de Londres, de Paris e de todos os hipódromos
mundanos da Europa. Binóculo, precioso.
Os Fanoti são grandes proprietários, grandes
fidalgos provincianos. Só possuem objectos de valor. O tenente olha através do
binóculo, com indiferença, a montanha e a planície. Cada haste de milho está
direita, como um oficial de hussardos, fechado na sua túnica verde, com o
penacho de ouro no seu pináculo. Cada haste de milho tem, mais abaixo, algumas
folhas compridas e pontiagudas, como sabres verdes que cortam o vento, soprando.
Nem uma aldeia, nem uma casa, nem um homem. Unicamente o céu, as montanhas, os
campos de milho, o barulho dos motores e os dois rastos de poeira, que se
erguem atrás dos camiões militares. - Alto! - Ordena, bruscamente, o tenente
Marcel Fanoti. O feldwebel trava,
assustado, e pergunta o que aconteceu. - Vai ser informado imediatamente, feldwebel - responde o tenente.
Desce para a estrada, esmagando com as botas envernizadas
a terra escaldante. O segundo camião chega e pára também. - Cabo Motok, desça,
imediatamente, com dois soldados! - grita o tenente. Com a mão esquerda segura
o binóculo de corridas e com a direita a chibata com castão de prata, no qual
estão inscritas as palavras Jockey Club.
Do segundo camião saltam dois soldados, levantando, com o mesmo 'movimento, o
toldo que os cobre. Dois soldados com o seu capacete de aço, que lhes cai sobre
as orelhas, como uma caçarola muito grande e muito pesada; dois soldados mal-ajeitados
no seu uniforme espesso e amarrotado». In Virgil Gheorghiu, A Chibata, tradução de
António Fernandes, Livraria Bertrand, Lisboa.
Cortesia de L. Bertrand/JDACT