sábado, 6 de abril de 2013

A Chibata. Caminhos diversos. Virgil Gheorghiu. «Nem uma aldeia, nem uma casa, nem um homem. Unicamente o céu, as montanhas, os campos de milho, o barulho dos motores e os dois rastos de poeira, que se erguem atrás dos camiões militares»

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Missão ao alvorecer
«Os dez fixam diante deles um olhar ausente. Têm calor. Estão muito apertados. Nenhum se mexe. Só as pálpebras lhes pestanejam nas órbitas. O cabo chama-se Motok. Está sentado na extremidade de um banco. O cabo distingue-se dos nove soldados por dois galões de algodão amarelo, cor de abóbora, cosidos nos ombros. Os galões de um cabo romeno são tão largos e tão amarelos que se vêm melhor do que os de um general. Em lugar de concederem autoridade àquele que os usa, têm, sobretudo, um aspecto de enfeites de palhaço. Estes soldados romenos fazem parte da companhia da polícia militar do tenente Fanoti.
Os dez estão colocados na rectaguarda, nesta companhia, porque já não podem estar na linha de fogo. Cada um destes dez soldados foi ferido várias vezes; ou sofrem de malária, de pelagra, ou de uma úlcera no estômago. Pode dizer-se, simplesmente, que são muito velhos para combater. Antes de partir de Pascani, o feldwebel Otto Ritter, diante do posto de comando, ordenou aos soldados romenos para se separarem em dois grupos: cinco subiriam para o primeiro camião, conduzido por ele, e os outros cinco para o segundo camião conduzido pelo soldado alemão Hans Kurt. O tenente anulou esta ordem, com indignação. Decidiu que os soldados romenos subiriam todos para o segundo camião. Explicou ao alemão: - Os soldados romenos cheiram mal. Não posso admitir que se sentem atrás de mim. Não posso suportar o seu cheiro. No primeiro camião só vão o feldwebel e o tenente. Os velhos soldados e o cabo vão amontoados no segundo.
O dia anuncia-se muito quente. O Sol ainda não nasceu. Só os primeiros raios da aurora deslizam para Leste, como salpicos de sangue fresco no manto azul do céu. A terra está, ainda, escaldante da véspera. Os militares alegram-se, ao pensar que os camiões sobem em direcção às montanhas, que se projectam para Oeste. No alto, fará mais fresco. O tenente aborrece-se. De um estojo de coiro tira um binóculo incrustado de madrepérola e tendo o escudo de prata dos príncipes Fanoti. É o binóculo com o qual o pai do jovem oficial seguia as corridas de Londres, de Paris e de todos os hipódromos mundanos da Europa. Binóculo, precioso.
Os Fanoti são grandes proprietários, grandes fidalgos provincianos. Só possuem objectos de valor. O tenente olha através do binóculo, com indiferença, a montanha e a planície. Cada haste de milho está direita, como um oficial de hussardos, fechado na sua túnica verde, com o penacho de ouro no seu pináculo. Cada haste de milho tem, mais abaixo, algumas folhas compridas e pontiagudas, como sabres verdes que cortam o vento, soprando. Nem uma aldeia, nem uma casa, nem um homem. Unicamente o céu, as montanhas, os campos de milho, o barulho dos motores e os dois rastos de poeira, que se erguem atrás dos camiões militares. - Alto! - Ordena, bruscamente, o tenente Marcel Fanoti. O feldwebel trava, assustado, e pergunta o que aconteceu. - Vai ser informado imediatamente, feldwebel - responde o tenente.
Desce para a estrada, esmagando com as botas envernizadas a terra escaldante. O segundo camião chega e pára também. - Cabo Motok, desça, imediatamente, com dois soldados! - grita o tenente. Com a mão esquerda segura o binóculo de corridas e com a direita a chibata com castão de prata, no qual estão inscritas as palavras Jockey Club. Do segundo camião saltam dois soldados, levantando, com o mesmo 'movimento, o toldo que os cobre. Dois soldados com o seu capacete de aço, que lhes cai sobre as orelhas, como uma caçarola muito grande e muito pesada; dois soldados mal-ajeitados no seu uniforme espesso e amarrotado». In Virgil Gheorghiu, A Chibata, tradução de António Fernandes, Livraria Bertrand, Lisboa.

Cortesia de L. Bertrand/JDACT