sábado, 6 de abril de 2013

A Verdade Exposta a sua Magestade Fidelíssima. Epístola. José Daniel Rodrigues da Costa. «O Decreto, que se fez, de justos motivos parte: quem a forma lhe desfez, recebe só uma parte, paga com duas, e três. O pedir era uma ofensa; lá dentro era tudo arcanos, por disfarce da detença, e só no fim de dez anos chegava um ano de Tença»

Cortesia de wikipedia

(Continuação)

Epístola
«Pelo interesse danado
perdia a razão o trilho:
o mérito abandonado:
davam-se ofícios ao filho,
Só porque o pai fora honrado.

Mui pouco, Senhor, convém
que um com quatro ofícios viva;
que além de os não servir bem,
deles a outro homem priva,
que nem se quer um só tem.

Vemos que uns alcançam tudo;
outros não alcançam nada:
quem tiver juízo agudo,
Bem pode dar na malhada,
inda que o dinheiro é mudo.

Vendo um Rei que um seu valido,
que muito pobre vivia,
tinha em breve enriquecido,
com semblante austero um dia
fez com que fosse inquirido.

Porque saber lhe convinha,
à vista de um tal recheio,
sem ter de condão varinha,
onde alcançou, donde veio
tanto cabedal que tinha.

Descobriu as avarias;
dos ajustes os canais;
as ocultas simonias!
Confiscou-lhe os cabedais
Para hospitais, e obras pias.

Não é de esperar, Senhor,
que tenhais um tal valido;
mas quando algum assim for,
seja logo demitido
do vosso Augusto Favor.

Deve haver muito cuidado
em formar, de humildes, nobres;
que um destes , empoleirado,
é sanguessuga dos pobres,
é grande esponja do Estado.

Os Portugueses estavam
num teatro miserando!
Todos o Reino choravam!
Porque o viam expirando,
Já remédios lhe não davam.

Avareza, hipocrisia,
egoísmo, roubo, impostura,
ambição, e tirania
era a roda mal segura,
que esta máquina movia».

continua

In José Daniel Rodrigues da Costa, A Verdade, exposta a sua Magestade Fidelíssima o senhor D. João VI, Epístola, Impressão Régia, com Licença da Comissão de Censura, Lisboa, Ano de 1820.

Cortesia de Wikipédia/Arquivo Madeira/JDACT