(Continuação)
Epístola
«Pelo interesse danado
perdia a razão o trilho:
o mérito abandonado:
davam-se ofícios ao
filho,
Só porque o pai fora
honrado.
Mui pouco, Senhor,
convém
que um com quatro ofícios
viva;
que além de os não
servir bem,
deles a outro homem
priva,
que nem se quer um só
tem.
Vemos que uns alcançam
tudo;
outros não alcançam
nada:
quem tiver juízo agudo,
Bem pode dar na malhada,
inda que o dinheiro é
mudo.
Vendo um Rei que um seu
valido,
que muito pobre vivia,
tinha em breve
enriquecido,
com semblante austero um
dia
fez com que fosse
inquirido.
Porque saber lhe
convinha,
à vista de um tal
recheio,
sem ter de condão
varinha,
onde alcançou, donde
veio
tanto cabedal que tinha.
Descobriu as avarias;
dos ajustes os canais;
as ocultas simonias!
Confiscou-lhe os
cabedais
Para hospitais, e obras
pias.
Não é de esperar,
Senhor,
que tenhais um tal
valido;
mas quando algum assim
for,
seja logo demitido
do vosso Augusto Favor.
Deve haver muito cuidado
em formar, de humildes,
nobres;
que um destes , empoleirado,
é sanguessuga dos pobres,
é grande esponja do
Estado.
Os Portugueses estavam
num teatro miserando!
Todos o Reino choravam!
Porque o viam expirando,
Já remédios lhe não
davam.
Avareza, hipocrisia,
egoísmo, roubo,
impostura,
ambição, e tirania
era a roda mal segura,
que esta máquina movia».
continua
In José Daniel Rodrigues da
Costa, A Verdade, exposta a sua Magestade Fidelíssima o senhor D. João VI,
Epístola, Impressão Régia, com Licença da Comissão de Censura, Lisboa, Ano de
1820.
Cortesia de Wikipédia/Arquivo
Madeira/JDACT