Base de corsários
«Ceuta ficava a depender do socorro que lhe viesse do mar. A
necessidade obrigava-a a transformar-se numa poderosa base naval. Tinha de
limpar o estreito da pirataria moura e cristã e engordar ferindo as ligações
entre o Magrebe e o reino de Granada. Desde as primeiras horas os seus
corsários flagelaram as rotas que ligavam Granada a Tunes e aos portos
atlânticos de Tânger, Arzila, Larache, Anafé. A referência a uma tempestade,
ocorrida antes de 1419, e aos navios
por ela destruídos, permite-nos imaginar, com alguma base, a navegação que
então circulava no Estreito e aquela que tinha em Ceuta a sua base. No porto, a
tempestade quebrou uma galeota e um bergantim, uma barca grande de trinta
tonéis e mais duas barcas pequenas, todas do conde de Viana, governador da
praça, mais treze barcas dos moradores, uma nau grande de um mercador do Porto
e uma barca de Viana que regressava a Portugal. O conde tinha ainda uma barca
de mercadoria, fustas, três bergantins e mandou fazer uma nobre fusta,
de dez bancos, a que chamaram Santiago de Prata.
Em Tarifa perdeu-se uma galiota
de Cartagena e escapou uma fusta. Em Gibraltar, então muçulmana, perderam-se
quatro caravos grandes, muitas
zabras, muitas barcas pequenas e sete barcas carregadas de Castela. Gibraltar
era o poderoso inimigo que olhava do outro lado. Nos portos de Castela
quebraram-se muitas barcas carregadas para Berberia e mais treze barcas de
castelhanos; em Tânger, uma galiota e
um bergantim que seguiriam para a muçulmana Málaga, onde se afundou uma galiota bastarda.
A fusta Santiago de Prata, armada pelo conde de Viana, saiu ligeira
de remos e de velas. O conde escolheu para patrão e corsário Afonso Garcia Queirós,
ex-preso de mouros. Na primeira viagem aproximou-se, durante a noite, da ilha
de Cádis. Viu chegar um carabo, vindo
de Alcácer-Ceguer, mareado por catorze homens. Prendeu-os e colheu muito trigo,
cevada, legumes e seis cavalos. Noutro salto, aprisionou duas mouras, panos de
ouro, de seda, roupa talhada. O valor do roubo subiu a 10000 coroas. Noutro
ataque sobre o porto de Gibraltar, a lua raiava, tomou uma barca e nela vinte e
quatro mouros. Morreram outros cinco, fora os afogados que fugiam para terra. A
barca ia carregada com seda fina, roupa talhada, muitas moedas de ouro e prata e
fruta que levavam de lastro. Ia carregar trigo em Anafé.
Sabemos o nome de alguns corsários de Ceuta ligados ao governador:
- Martim Vasques Pestana,
- Álvaro Gonçalves Palenço, grande homem em pelejas do mar,
- Álvaro Fernandes do Cadaval.
Nos seus navios, João Barroso, Álvaro Pires e Lourenço Anes de Pádua
foram barrejar Larache. Entraram na
vila por uma brecha do muro. Os mouros recolheram-se ao castelo e fugiram pela
porta da traição. Os corsários roubaram tudo o que puderam, capturaram vinte e
quatro almas, mataram todos os cavalos. Depois deitaram fogo à vila e ao castelo.
Sobram relatos de captura de mouros, mouras, judeus; de louça de Málaga, trigo,
cevada, legumes, cavalos, panos de ouro, de seda, de roupa talhada, de fruta.
Só de uma vez apanharam cinquenta e três mouros, três mouras negras, um mouro
natural de Santarém e um cristão cativo. Por vezes os corsários de Ceuta iam a
Tunes vender as mercadorias roubadas e resgatar os mouros feridos.
Indo de Ceuta para Portugal, Luís Gonçalves Malafaia, futuro
vedor da fazenda, tomou uma grande e poderosa carraca. Por sua vez, Fernando de Noronha pelejou no mar com
o corsário Bartolomeu. Tomaram-se navios de outros corsários, de modo que, dali
em diante, ficou segura a navegação para Ceuta. Álvaro Vaz Almada, já capitão
do mar e futuro alferes da cidade de Lisboa, armou três navios contra os
Genoveses para os castigar de danos recebidos. Começou a andar pelo mar do
Levante até que capturou uma grande carraca
de Génova e navios pequenos de mouros». In António Borges Coelho, Largada das Naus,
História de Portugal (1385 – 1500), Editorial Caminho, 2011, ISBN
978-972-21-2464-5.
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