sábado, 20 de abril de 2013

A Rosa dos Ventos. Materiais para uma Opereta sem Música. Gonzalo Torrente. «Não sei se por acaso, se por erro, no rosto do manuscrito vinha esse poema que intitulei Meditação XIII por fidelidade ao original. Estava escrito em português, o que me mergulha em conjecturas…»

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Justificação
«Ignoro se a minha mãe, que chegou a ser sua amiga e talvez confidente, terá ouvido da princesa alguma revelação; o que sei é que algumas vezes me pediu que, quando morresse, tomasse conta dos seus papéis e das suas coisas pessoais e evitasse que caíssem em mãos de jornalistas ou de historiadores. Suponho que tenha sido essa a. razão pela qual este manuscrito me veio parar às mãos. Não há qualquer certeza quanto à sua veracidade. A mulher a quem chamávamos a princesa seria, na realidade, Myriam? A história que o manuscrito conta será uma fantasia ou conta-se, de maneira directa, algo que realmente aconteceu? Ou tenta-se fazer crer algo que não aconteceu jamais? Não posso dizer-lhe nada… Ao oferecer-lhe o manuscrito, sugiro-lhe que o leia e que faça com ele o que lhe parecer mais honrado; só lhe peço que, se alguma vez o publicar, mude os nomes das pessoas e baralhe os dos lugares até chegar a situá-lo num país indefinido.
Disse-lhe que esse era o procedimento do costume, no caso de o próprio redactor do manuscrito não ter tomado, ele próprio, as suas precauções e sempre que a sua intenção expressa não fosse a contrária. Não considero indispensável esclarecer aqui se manipulei ou não o texto, ao traduzi-lo, para além do exigido pela própria versão, que creio bastante fiel e, nalgumas passagens, poeticamente superior ao original; pois o autor, esse Ferdinando Luís com cuja prosa, parece ter-se limitado a declarar o seu pensamento e a expor as suas recordações, o que já não me parece pouco.
Não sei se por acaso, se por erro, no rosto do manuscrito vinha esse poema que intitulei Meditação XIII por fidelidade ao original. Estava escrito em português, o que me mergulha em conjecturas, sendo a mais óbvia, esta: terá alguma relação com o conteúdo de A Rosa dos Ventos ou, como a de uma, árvore num livro, essa folha lírica terá caído por acaso no canhenho do manuscrito? Teriam Myriam e Ferdinando Luís aprendido tão perfeitamente o português que ousassem uma combinação de hendecassílabos com heptassílabos que não soasse demasiado mal? Faltam-me dados para poder responder. Não posso, portanto, esclarecer outras conjecturas lógicas: sendo a Meditação XIII, terão existido, pelo menos, outras doze? E se esta foi arrancada deliberadamente de um livro de poemas mais extenso e aqui colocada, porque razão terá sido escolhida? Não é fácil que contenha uma chave, ou que tente mostrar-nos o critério com que o manuscrito pode (ou deve) ser lido? Agora que se fala tanto dessa pedantice das várias leituras possíveis, não virá esse poema indicar-nos que só existe uma legítima, a que descarta qualquer interpretação histórica, sociológica ou mágica e reduz a, mera, historieta de amor o conteúdo do manuscrito, ainda que com ingredientes de outra natureza, como na vida, incluídos pela própria fatalidade dos acontecimentos? Foi como historieta de amor que a traduzi, de vários tipos de amor porque, dentro dessa palavra tão absoluta se encerram e muitas vezes se escondem, modos distintos e até opostos de os homens se relacionarem com as mulheres. Não se pode negar, todavia que, por muito diferentes que sejam esses modos, eles apontam, com bastante unanimidade, para a mesma interpretação única, inclusive nos casos em que o amor se manifesta como ódio». In Gonzalo Torrent, La Rosa de los vientos, A Rosa dos Ventos, Materiais para uma Opereta sem Música, Difel, Linda-a-Velha, 1995, ISBN 972-29-0326-8.

continua
Cortesia de Difel/JDACT