«Se os homens de ferro estão ligados à terra, donde extraem as matérias-primas,
os homens de bronze modificam-na, dão-lhe brilho e comercializam-na;
interiormente são sempre comerciantes, dão algo para receber outro tanto em
troca. Estão relacionados com o elemento água, ambicionam a riqueza exterior e
devem desenvolver como virtude a temperança. Produzem o brilho do bronze, mas
não têm a integridade do ouro. Numa sociedade natural, os homens de ferro e
os de bronze asseguram a base da pirâmide, cumprindo as funções de produção
e de comunicação. No centro da pirâmide estão os homens de prata,
interiormente guerreiros e idealistas, que asseguram a função guerreira e a
manutenção dos valores. Buscam a honra e têm como virtude específica a coragem.
Estão relacionados com o elemento ar. Como a prata, devem reflectir a sabedoria
proveniente dos homens de ouro, os sacerdotes iniciados que constroem as
pontes entre o visível e o invisível.
Estes homens, relacionados com o elemento
fogo, almejam como conquista mais importante a verdade e cultivam como virtude
específica a prudência (saber andar no perigo), que em grego era sinónimo de sabedoria. Tal como o seu metal simbólico,
este tipo de homens é muito raro na Natureza. Na tradição hindu, o
sudra corresponde ao homem de ferro, o vaysha ao homem de
bronze, o kshatrya ao homem de prata e o bramane ao homem de ouro.
Reiteramos que, segundo a concepção esotérica, os vários tipos de homem são
interiores, relacionados com a sua evolução espiritual, e nunca hereditários,
quer dizer, um filho de bramane pode ser sudra e vice-versa. Por isso,
actualmente, a sociedade indiana é uma versão muito degenerada deste sistema
tradicional, aliás já o era no tempo de Buda. Esse problema também foi
flagrante na Idade Média, onde muitas vezes o filho de um justo e valoroso
guerreiro tinha claramente um espírito de comerciante ou de homem de ferro.
Recordemos que tanto os povos que moldaram o mundo greco-romano como os
que criaram a sociedade cavaleiresca da Idade Média foram povos de origem
indo-europeia, e todas essas sociedades estavam fortemente impregnadas dos
valores dos homens de prata, mesmo quando esta prata se deixava corromper. A
nosso ver, a diferença entre a sociedade medieval e a greco-romana é que esta
última atingiu um grau de civilização muito mais elevado, enquanto que o mundo
medieval teve de fazer face a uma profunda regressão cultural.
Hoje em dia, a atmosfera mental está fortemente impregnada dos valores
dos homens de bronze. Os próprios historiadores, na sua maioria, são incapazes
de ultrapassar essa alienação mental e descrevem a história com base nesses
valores, não entendendo que os homens de prata têm valores e um estilo de vida
interior muito diferentes daqueles dos homens de bronze e de ferro. No estudo
da epopeia portuguesa esse desfoque historiográfico é flagrante. Um guerreiro luta pela honra e por um ideal,
um comerciante pela riqueza exterior. Uma história realizada por guerreiros
e idealistas, mas escrita por homens de bronze ou de ferro é quase o cúmulo do
ridículo, pois estes últimos muito dificilmente conseguirão penetrar nos
móbiles das acções dos primeiros. Para isso teriam de se modificar
interiormente.
Na Antiguidade, um herói era considerado um semideus, e mesmo os
grandes génios do saber participavam nas guerras com um elevado sentido do
dever e da honra. Tal foi o caso de Sócrates e o de Ésquilo:
- (...) Ésquilo combateu com grande valor nas batalhas de Maratona, Salamina e Plateias. Na primeira foi ferido. Ésquilo jamais esqueceu a sua participação na guerra, e hoje parece-nos chocante que o pai da tragédia e uma das maiores figuras espirituais e culturais da Humanidade, tenha tido mais honra em ser um guerreiro do que um homem de paz. Isto seria suficiente para nos mostrar as diferenças de apreciação que os homens dão aos factos no decorrer dos séculos. Há quatrocentos anos atrás o espanhol Cervantes, criador das personagens universais Quixote e Sancho, dizia que valorizava mais a sua mão esquerda perdida na batalha de Lepanto do que a direita com a qual tinha escrito a famosa obra. Podemos apreciar o valor que Ésquilo dava à sua acção bética através do epitáfio, confeccionado por ele próprio e que dizia: Sob esta pedra jaz Ésquilo, filho de Euforião. Nascido em Elêusis, faleceu nas férteis planícies de Gela. O tão afamado bosque de Maratona e os persas de agitada cabeleira dirão se foi valente. Eles bem o viram!
In Paulo Alexandre Loução, Dos Templários à nova Demanda do Graal, O Espírito
dos Descobrimentos Portugueses, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-26-9.
continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT