segunda-feira, 15 de abril de 2013

Leituras. Inês de Castro. Maria Pilar del Hierro. «Inês e Constança, seguidas a distância prudente pelas respectivas amas, continuaram a conversa durante o caminho de regresso aos seus aposentos. Por momentos, Inês deteve-se junto a uma ogiva da galeria que comunicava com a ala privada do castelo. Constança apreciou a beleza da amiga»

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«Sensíveis, inteligentes e refinadas, se o que sobressaía em Inês era a luminosidade e o calor do amanhecer, em Constança era a serenidade e o recolhimento do ocaso. E, talvez por isso, a ligação entre ambas ia-se tornando mais forte em cada dia que passava. Às brincadeiras, sucederam-se as confidências, ao estudo das línguas clássicas e das artes, os mistérios da vida, e, à rivalidade de ser mais ágil ou atrevida, a sadia capacidade de despertar a atenção dos jovens que frequentavam o castelo. A vida nos domínios do senhor de Peñafiel não podia ser classificada de monótona. Nos quase sete anos em que Inês viveu ali, o infante João Manuel, por causa da política e das obrigações da guerra, teve de se afastar com frequência das suas terras mas, quando regressava, os bailes e as festas alternavam com justas e torneios que atraíam a atenção de todo o povo. Nas ausências dele, Constança e Inês tampouco se aborreciam. Os seus dias eram ocupados com rezas, estudos, bordados, música e excursões pela veiga. Ali perseguiam borboletas e colhiam flores com que construíam coroas, que ofereciam uma à outra. Constança, mais sossegada, gostava de leitura e bordados, enquanto Inês preferia desenhar ou cavalgar, com a liberdade própria de um rapaz, pelo parque do castelo ou seguindo o curso do Duratón até este desaguar no Douro. Ambas tinham, porém, um gosto comum: assistir ao trabalho dos calígrafos que, na esplêndida biblioteca do castelo, adornavam com belas cores os livros do seu senhor.
Naquele dia de 1337, Constança e Inês foram até ao escritório, como tinham feito tantas vezes. Foram surpreendidas pela pressa de copistas e desenhadores. Um deles, um frade dominicano, que também atendia as necessidades espirituais dos habitantes do castelo, explicou-lhes o motivo de todo aquele alvoroço. Tinham de acabar uma primorosa cópia do Libro de los Enxiemplos, a última obra do infante João Manuel. Este exemplar ia ser oferecido ao monarca português, Afonso IV e, por isso, o resultado final da edição devia estar à altura de tão alto soberano. Na manhã seguinte, continuou o frade a informar, Duarte de Oliveira, o gentil-homem português que, como sabiam, passara as duas últimas semanas alojado no castelo, partiria para Lisboa juntamente com o seu séquito e tinha de levar o livro com ele. Segundo se dizia, o cavaleiro e o infante tinham chegado a acordo acerca dos graves assuntos que o português viera tratar.
Inês, mais desenvolta e sem reparar nas dificuldades que tinha o bom do frade para fixar a lãmina de oiro com que enchia as volutas de uma complicadíssima letra maiúscula, perguntou ao informador se ele sabia que negócios eram esses que mereciam que o embaixador Duarte levasse tão valioso presente ao soberano do país vizinho. O monge, depois de lhe rogar que não o distraísse, pois a tarefa exigia toda a sua atenção, respondeu: - Não sei, D. Inês, mas não seria de estranhar que, havendo nesta casa uma moça como D. Constança e estando por casar o herdeiro do trono português, o embaixador Duarte de Oliveira fosse despedido com repicar de sinos a anunciar boda. Inês olhou para Constança.
Antes que pudesse responder, a amiga adiantou-se. – Estais equivocado, frei Gonzalo. Quem iria querer-me depois de ter sido desprezada pelo rei de Castela? - Não há outra moça casadoira nesta casa - interveio Inês. - A vossa irmã, D. Juana, tem apenas um ano e não creio que o infante de Portugal queira esperar tanto tempo. - Quedais vós, minha senhora D. Inês - acrescentou o frade. - Eu? Que desvario, meu bom frade! Como é que o príncipe Pedro podia reparar em mim? Como iria o herdeiro de tão alta coroa reparar em quem chegou a esta casa para aliviar a miséria da sua própria família? Como me iria converter em rainha se, a despeito do casamento precipitado dos meus pais, arrasto comigo uma sombra de bastardia?
 - Inês, não sejais modesta - pediu Constança, a emendar a amiga. - Sabeis que o vosso pai é segundo primo de Afonso de Portugal. Se a isso acrescentardes as vossas qualidades e a vossa beleza, não careceis de mais prendas para serdes digna de um príncipe. E, além disso, o meu pai não vos negaria um bom dote. O frade voltara ao seu trabalho. Inês e Constança, seguidas a distância prudente pelas respectivas amas, continuaram a conversa durante o caminho de regresso aos seus aposentos. Por momentos, Inês deteve-se junto a uma ogiva da galeria que comunicava com a ala privada do castelo. Constança apreciou a beleza da amiga». In Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT