E porem me parece este nome de ssuydade tam proprio que o latym nem
outra linguagem... nom he pera tal sentido semelhante. In rei Duarte, no Leal
Conselheiro, Cap. XXV.
«Comparando-as... Ai de nós! Não com as autênticas poesias dos
cancioneiros, como devia, mas sim com fábulas e novelas, contadas por outros
fabulistas, pseudo-historiadores. Esta subtil definição é de Afonso Lopes
Vieira. Foi enunciada na sua linda conferência sobre O Povo e os Poetas Portugueses,
Lisboa, 1910. Faço-a minha, mas não com relação às Cartas de Egas Moniz.
A respeito dessas eu disse-lhe com franqueza que continuava a repeti-las com
falsas, artificiosas, amaneiradas, um grande desvairo de palavras.
Vou tentar o exame linguístico dos vocábulo saudade e saudoso. Não que eu queira, ou
possa, renovar-lhes a base. Todos os que, entre nacionais e estrangeiros,
dissertaram a respeito das saudades reconheceram como étimo evidentíssimo
o plural latino e feminino solitates. Os antigos indicam-no sem
entrar em pormenores. No século XV o rei-filósofo Duarte que, no Leal Conselheiro, compara a ssuydade
com outros vocábulos quase sinónimos.
NOTA: E no muito citado capítulo XXV do Leal Conselheiro, do
nojo, pesar desprazer, avorrecimento e suydade, que se lêm as seguintes
reflexões sensatas. E a suydade... he huum sentido do coraçom que vem da
sensualidade (hoje diríamos sensação) e nom da rrazon e faz sentir aas
vezes os sentidos da tristeza e do nojo. ... Se algua pessoa por meu
serviço e mandado de mim se parte, e della tenho suydade, certo he que de tal partyda nom ey sanha, nojo, pezar,
desprazer nem avorrecymento, ca prazme de sseer e pesarmya se nom fosse; e por
se partir, alguas vezes vem tal suydade
que faz chorar e sospirar como se fosse de nojo... E quando nos vem algua
lembrança dalguum tempo em que muyto folgamos, nom geeral mas que traga ryjo
sentydo, e por conhecermos o estado em que somos seer tanto melhor, nom
desejamos tornar a el por leixar o que possuymos, tal lembramento nos faz
prazer, e a myngua do desejo per juyzo determinado da rrazom nos tira tanto
aquel sentydo que faz a suydade que mai
sentymos a folgança por nos nenbrar o que passamos que a pena da myngua do
tempo ou pessoa... E aquesta suydade
he sentida com prazer mais que com nojo nem tristeza... Quando aquella triste
lembrança faz sentir grande desejo... com esta suydade vem nojo ou tristeza mais que prazer. O resto não é menos
interessante. Bom seria que muitos o lessem.
No século XVII, o quarto conde de Portalegre (Silva e Menezes) na carta
espirituosa a Magdalena de Bovadilla, sobre os mistérios da saudade portuguesa
e a conformidade ou diferença dela e da soledad
castelhana, a que já aludi. Igualmente, Manuel de Faria Sousa, no seu judicioso
comentário aos saudosos campos do Mondego, mencionados no episódio de Inês de
Castro. Francisco Manoel na Epanáfora
terceira, não traz nota alguma etimológica.
NOTA: Lusíadas
Comentados, (1639), vol. II. Eis como o Comentador explica os saudosos
campos do Mondego. En dos maneras deveys entender aqui el Saudosos.
Una, regalados, i que de puro bellos combidan a ser logrados con soledad; otra que aun oy estan
llenos de soledad i dolor de
la ausencia de Inês, i del modo
della: porque saudosos es derivacion de saudade:
i aunque a algunos parece que en castellano falta voz equivalente a esta, no ay
duda que lo es Soledad: Advirtiendose que saudade
en português no es otra cosa que soidade, derivado de soidam, que derechamente es soledad,
i el dezir saudade es corrupcion:
pero vino a ser corrupcion como la del vino quando se buelve finissimo vinagre
que siendo tal es mas saludable i un apetito regalado i oloroso: assi la
corrupcion de Soidade en Saudade
para el oydo português vino a parar en voz regalada i mas significativa, que la
verdadera, del desseo, pena i dolor ternissimo del bien ausente; i
significacion que no se ajusta en otra lingua.
Os modernos, claro que se viram obrigados a demonstrar a etimologia. P.
ex. o erudito Milá y Fontanals, predecessor de Menêndez y Pelayo,
ao tratar da poesia popular da Galiza, e também nos Trovadores em Espanha. Sobretudo, o nosso Gonçalves Viana,
e o ilustre catedrático de New-Haven, a quem devemos não só a primeira edição
do Cancioneiro
de D. Dinis, e o Cancioneiro (de transição) Galego-castelhano,
mas também numerosos tratados especiais sobre fenómenos linguísticos e literários,
peninsulares.
Nova é somente a minha maneira de historiar mais minuciosamente as
evoluções de forma e de significado; e a tentativa de explicar de que modo, por
influxos psicológicos, associação de ideias e etimologia popular, o vocábulo
herdado so-e-dade, passando por soïdade,
que deu suïdade (ssuydade), chegou a ser saúdade, em tempos relativamente
modernos, mas que por ora não se podem fixar com exactidão. Do quinto estádio sàudade já se passou na boca do vulgo,
a um sexto, pelo menos em Lisboa, onde pronunciam sódade por soudade.
Mas é de crer que, por afecto à fama já universal da palavra, a parte culta da
nação não deixe generalizar-se essa vulgarização e continue a pronunciar sàudade».
In Carolina Michaelis de Vasconcelos, A Saudade Portuguesa. Divagações
filológicas e Literar-Históricas em volta de Inês de Castro e do Cantar Velho,
“Saudade minha – quanto te veria?”, Colecção Filosofia & Ensaios, Guimarães
Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-665-397-5.
Cortesia de Guimarães E./JDACT