«Esta história, afinal, é sobre aquelas três coisinhas. Qualquer
semelhança com pessoas, locais, acontecimentos e oportunismos em geral é mera
virtualidade. Já me ia esquecendo: as três coisinhas. Pois. As três coisinhas
são o sexo, a violência e o dinheiro. As únicas que, segundo parece, dão algum
sentido à vida.
...E porque daqui para a frente as coisas se tornam muito confusas, repara
bem.
A acção decorre na actualidade, numa floresta onde só se chega dominando
alguns segredos, e mesmo essa floresta não tarda a desaparecer... e conta como dois
homens, duas avós, duas vidas afectivas se cruzaram por acaso. Podia ser assim
esta história mas não é. E mais. E a história de um homem que apanhou um táxi
para cumprir o desígnio da sua amada: ir
ao deserto buscar um punhado de areia com podores libertadores; e é a
história do taxista que o levou. E assim, também, a história da mulher do
taxista, como já era a história da estranha amada do homem em busca de uma mão
cheia de areia.
É a história do advogado do taxista, que conta a história daqueles que
lidaram com a avó dele, a saber:
- um falso turco, colombiano traficante de droga, às voltas com um grupo de fundamentalistas islâmicos;
- um judeu não praticante que acaba por cruzar a sua vida com um grupo de judeus extremistas;
- um cardeal que, contra a sua vontade, está quase a suceder ao Papa, cardeal que vive com uma amante que militou na resistência francesa e com um punhado de frades, guarda-costas peritos em artes marciais, todos eles coniventes com os mais radicais dos sectores católicos;
- um mafioso casado com a herdeira do trono da Jugoslávia e pai de uma rapariga lindíssima (mas) com poderes mediúnicos:
- um protestante muito radical;
- um homem monstruoso que se reclama a reencarnação de Buda, sua mulher e filhos, que esperam a visita de um grupo de budistas disposto a tudo;
- uma família de hindus praticantes, ferozmente militantes das suas crenças;
- um político que sintetiza as máculas de todos os políticos;
- um chefe de mercenários que quase não ganha para as balas…;
- um polícia político que está escondido desde um golpe de Estado que mudou o seu regime e que vive com uma matilha de cães perigosíssimos;
- um cientista alemão, que fez o estágio na Alemanha de Hitler e que agora se especializa em clonagem;
- um russo que serviu nas fases mais exigentes da URSS;
- um verdadeiro imbecil que meramente por acaso subiu na vida e se tornou chefe da polícia de um serviço na dependência do Presidente da República;
- o autor, as suas duas iguanas, a sua amante, e as muitas mulheres que o rodeiam, a começar em Marguerite Yourcenar que lhe dá uma mãozinha débil;
- um homenzinho, que não sabemos ao certo quem é, mas desempenha papel fundamental;
- uma velha morta com dez facadas;
- outra velha que aparece no fim da história e nos deixa a pensar nisto e naquilo;
- o escritor; o narrador; o editor... entre outros.
Esclarecimento
Nesta montanha russa, talvez Deus nem seja aqui chamado. Veremos.
O Dodelat-sis
Teodoro Anastácio Matos tem este verificável sorriso feliz, apesar das
inúmeras equimoses, as costelas partidas, o sobrolho cosido, o nariz
quebrado... Está numa enfermaria, com mais umas dúzias vastas de convalescentes,
alguns aliás Sem a menor perspectiva de convalescerem, para não referir, por
economia de espaço e de emotividade, um moribundo distante de toda a realidade
mundana, doente classificado como em estado terminal, o mesmo é dizer sem
hipóteses de retorno da longa marcha, e ainda uma enfermeira
rubicunda cuja especialidade é a administração, brutal e sem critério, de
clisteres de água morna». In Alexandre Honrado, A Montanha Russa de
Deus, Editorial Bizâncio, 2001, ISBN 972-53-0114-5.
Cortesia de E. Bizâncio/JDACT