sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Infante Fernando de Antequera casou-se com Leonor de Albuquerque, conhecida como ‘la rica hembra’, filha do infante Sancho de Castela e da ‘infanta’ Beatriz de Portugal, que por sua vez era filha de “Inês de Castro e de Pedro I de Portugal”»

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Crónica de uma difamação anunciada
Uma criança de peito
«Diz-se que o rei Duarte de Portugal foi contagiado pela peste ao receber uma carta das mãos de um mensageiro. E que, logo aos primeiros sintomas, o transferiram para a enfermaria do convento próximo da fortaleza de Tomar, onde permaneceria os cerca de doze ou treze dias, que duraram as febres. Pretendia-se evitar, assim, que a família fosse contaminada pela doença, bem como proteger a vida do ser que crescia no ventre da sua real esposa, grávida de pouco mais de dois meses. Essa vida era a de uma futura infanta de Portugal e rainha de Castela cuja luta pela existência começou antes de nascer, acabado de morrer o pai, na madrugada de 9 para 10 de Setembro de 1438.
No reino português poucos ignoravam que o infante Pedro, um dos irmãos do falecido monarca, sempre ambicionara sentar-se no trono. De modo que a ninguém surpreendeu que a rainha viúva de Portugal, D. Leonor de Aragão, logo após a entronização do seu primogénito Afonso V, uma criança de seis anos que mais tarde seria conhecido como o Africano, tivesse convocado esse cunhado para ouvir a leitura do testamento do rei Duarte. Para muitos, a surpresa chegou quando se soube que a última vontade do monarca era a de que a sua mulher se encarregasse não apenas da tutoria do herdeiro como também da regência. Poucos dias passados, alguns cortesãos avisados e virtuosos disseram à rainha que o infante Pedro e os seus irmãos poderiam sentir-se ofendidos pelo facto de serem governados por uma mulher, e ainda estrangeira, uma vez que D. Leonor, apesar de ter o título de infanta aragonesa, nascera na vila castelhana de Medina del Campo e era filha de um infante castelhano convertido em rei de Aragão, pelos acasos do destino, tinha ela nove anos.

NOTA: Infante Fernando de Antequera (1380-1416), segundo filho de Juan I de Castela; rei de Aragão em 1412 devido à sua ascendência real aragonesa por via materna. Casou-se com Leonor de Albuquerque (1374-1435), conhecida como la rica hembra (filha do infante Sancho de Castela e da infanta Beatriz de Portugal, que por sua vez era filha de Inês de Castro e de Pedro I de Portugal). Desse modo, nas veias da rainha consorte Leonor de Portugal corria mais sangue real português do que nas do seu marido.

O rei Duarte casara com Leonor, já passavam ambos dos vinte e cincoanos, num daqueles compromissos estratégicos que em diversas ocasiões levaram os herdeiros portugueses a unir-se em matrimónio com infantas aragonesas, atentos ao trono de Castela. Neste caso, quando em Portugal ainda havia vestígios da última invasão castelhana, resolvida na batalha de Aljubarrota. Mas a relação entre os esposos viria a verificar-se tão harmoniosa que tiveram um filho por ano durante os primeiros oito anos de casados, por vezes sem sequer terem passado dez meses do nascimento anterior. Esta saga foi interrompida após os portugueses terem falhado a conquista de Tânger, em 1436. Um fracasso militar agravado porque, para salvar as tropas do massacre, o irmão mais novo de Duarte foi deixado como refém aos muçulmanos, para garantir a devolução de Ceuta, conquistada pelos lusitanos duas décadas antes. Troca que, por razões de interesse político e religioso, não aconteceu. Aquele que viria a ser chamado de Infante Santo acabou por morrer em cativeiro. Houve em Portugal muita gente a imputar a culpa destas desgraças à castelhana, acusando-a de ter convencido o marido a empreender essa campanha.
Segundo os rumores, depois de o seu cunhado Henrique, o Navegador, lhe ter prometido em troca adoptar o segundo dos seus filhos e deixar-lhe o título de duque de Viseu e todos os bens, uma vez que era solteiro e sem descendência. Talvez para calar essas vozes, o rei Duarte escreveu o Leal conselheiro, um original tratado político e moral que acabou por dedicar à esposa pouco antes de a engravidar da infanta Joana.
Possivelmente como reacção a todos esses incidentes, quando os ecos dos funerais do rei e da entronização do seu pequeno filho se extinguiram, os cortesãos partidários do infante Pedro aconselharam a rainha viúva a evitar aos cunhados uma quebra da sua autoridade e recomendaram-lhe que cedesse a regência a um deles e que se dedicasse exclusivamente à criação dos filhos. Um conselho calculista que também respondia a uma preocupação: o grande poder que detinham, em Castela, dois irmãos da rainha, os chamados infantes de Aragão, tão castelhanos quanto ela». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT