Os Lusíadas. Episódio de Inês de
Castro
«Tirar Inês ao mundo determina,
por lhe tirar o filho que tem preso,
crendo co sangue só da morte indina
matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
que pôde sustentar o grande peso
do furor mauro, fosse alevantada
contra uma fraca dama delicada?
[...]
Assi como a bonina, que cortada
antes do tempo foi, cândida e bela,
sendo das mãos lascivas maltratada
da menina que a trouxe na capela,
o cheiro traz perdido e a cor murchada:
tal está, morta, a pálida donzela,
secas do rosto as rosas e perdida
a branca e viva cor, co a doce vida.
As filhas do Mondego a morte escura
longo tempo chorando memoraram,
e, por memória eterna, em fonte pura
as lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
que lágrimas são a água e o nome Amores!
[...]
Mas quem pode livrar-se, porventura,
dos laços que amor arma brandamente
entre as rosas e a neve humana pura,
o ouro e o alabastro transparente?
Quem, de uma peregrina fermosura,
de um vulto de Medusa propriamente,
que o coração converte, que tem preso,
em pedra, não, mas em desejo aceso?»