segunda-feira, 8 de abril de 2013

Poesia. Os Lusíadas. Episódio de Inês de Castro. «A poesia é a insistência, a existência, das palavras marcando com o seu ritmo a página e interrompendo o silêncio»

Cortesia de costapinheiro

Os Lusíadas. Episódio de Inês de Castro
«Tirar Inês ao mundo determina,
por lhe tirar o filho que tem preso,
crendo co sangue só da morte indina
matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
que pôde sustentar o grande peso
do furor mauro, fosse alevantada
contra uma fraca dama delicada?
[...]

Assi como a bonina, que cortada
antes do tempo foi, cândida e bela,
sendo das mãos lascivas maltratada
da menina que a trouxe na capela,
o cheiro traz perdido e a cor murchada:
tal está, morta, a pálida donzela,
secas do rosto as rosas e perdida
a branca e viva cor, co a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura
longo tempo chorando memoraram,
e, por memória eterna, em fonte pura
as lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
que lágrimas são a água e o nome Amores!
[...]

Mas quem pode livrar-se, porventura,
dos laços que amor arma brandamente
entre as rosas e a neve humana pura,
o ouro e o alabastro transparente?
Quem, de uma peregrina fermosura,
de um vulto de Medusa propriamente,
que o coração converte, que tem preso,
em pedra, não, mas em desejo aceso?»

Poema de Luís de Camões, in ‘Os Lusíadas


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