«A partir de então, as visitas a Mormugão tornaram-se semanais e depois de
cada uma delas era enviada uma carta terrivelmente depressiva. Mas logo a
seguir, com pouco tempo de intervalo, chegava mais uma carta do pai a dizer: por favor, rasga a carta- anterior e faz
como desejas. Infelizmente, uma semana depois, mais uma visita ao tio e
tudo voltava ao anterior com mais uma triste e dolorosa missiva: Não, não podes fazer uma coisa tão terrível,
tão desastrosa. Não podes destruir a família. O nosso stress
emocional começava a ficar insuportável: feliz, depois da aprovação paterna, em
desespero, quando chegava a triste ideia da destruição
da família, pois isso era o que de forma alguma desejaríamos. Mas o amor e a
dedicação que tínhamos um pelo outro conservaram-nos unidos ao longo daqueles
intermináveis meses de intensa angústia e preocupação. Os meus pais, embora
gostassem de Lica, temiam o que
poderia acontecer-me num ambiente desconhecido, pois nunca tinham estado no
Oriente nem tão-pouco ouvido de católica alguma que tivesse casado com um
hindu. Por outro lado, a ideia de haver uma eventual conversão não era aplicável,
uma vez que um hindu nasce hindu e
não se torna hindu. Por fim,
chegou-nos o definitivo e firme consentimento.
Aquele sábado teve um sabor especial para mim. Era um lindo dia de sol
e temperatura amena e o meu coração pulsava de alegria. Para qualquer rapariga,
o dia do casamento é o mais importante da sua vida. Mas, no meu caso particular
a minha vida iria mudar radicalmente, pois tínhamos decidido ir viver para a
Índia. Uma vez mais teria de sair do meu ambiente, desta vez para viver entre
pessoas que não falavam a minha língua, não partilhava a mesma religião ou os
mesmos hábitos. Tudo aquilo a que estava habituada era para elas alheio e a maneira
de viver dessas pessoas totalmente diferente da minha. Entretanto, permanecia
de espírito alegre porque sabia que Lica
estaria sempre ao meu lado para me guiar e confortar nos momentos difíceis de adaptação
ao novo modo de vida. A única sombra que ofuscava a minha felicidade era a
triste lembrança de ter de deixar os meus queridos pais e a minha irmã Marília,
provavelmente para sempre.
Partia sem ter dado à minha mãe a felicidade de ver o seu grande desejo
satisfeito, a filha casada segundo os hábitos tradicionais. A minha irmã já tinha
casado por procuração, embora a cerimónia tivesse sido na igreja. Eu nem seria
abençoada por um padre. Iríamos casar em casa, numa cerimónia civil, porque Lica não era cristão facto este que
tinha já originado algumas complicações e mal-entendidos». In Edila Gaitonde, As Maçãs
Azuis. Portugal e Goa 1948 – 1961, Editorial Tágide, F. Oriente, 2011, ISBN
978-989-95179-9-8.
A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia de E. Tágide/JDACT