(Continuação)
Epístola
«Posto em fuga o Numerário,
reinava o flagelo, a
fome;
tudo nos era contrário:
só tinha papéis, e o
nome
O vosso Real Erário.
Isto de Papel Moeda
tem Decreto, que o
regula;
mas bastante o Povo
azeda
o não saber com que bula
a razão da Lei se
arreda.
O Decreto, que se fez,
de justos motivos parte:
quem a forma lhe desfez,
recebe só uma parte,
paga com duas, e três.
O pedir era uma ofensa;
lá dentro era tudo
arcanos,
por disfarce da detença,
e só no fim de dez anos
chegava um ano de Tença.
O Povo desesperado
de não ser cada um
senhor
do mesmo que lhe foi
dado!
Vivia num dissabor
tudo comendo fiado.
Já de porta em porta andavam
homens de hábito no
peito,
que a tal chegar não
pensavam:
perdendo ao pejo o
respeito,
a pedir se abalançavam.
Rogando outra gente
louca
hábitos de Avis, ou
Cristo,
tendo fortuna bem pouca!
De Cruz ao peito os hei
visto
Fazendo cruzes na boca.
Também, Senhor, não aprovo
darem-se as Tenças, que
vemos
pois dizia todo o Povo:
se não pagam as que
temos,
porque vem outras de
novo?
Muita cousa há que notar
das que por nós tem
passado:
mas farei por me
lembrar,
sem ninguém ser
apontado,
das mais fáceis de
emendar.
Pela Justiça se via
Demasiado rigor,
que zelo ser parecia;
mas todo aquele furor
as mãos abertas cedia.
Porque os crimes se abafassem,
presentes, e outros
favores
era forca se aceitassem:
e impunes os salteadores
das cadeias se soltassem.
Eram réus seis, sete vezes
estes, a quem se valia;
já se tinham por fregueses:
e sempre se protegia
corja de tão boas rezes!»
continua
In José Daniel Rodrigues da
Costa, A Verdade, exposta a sua Magestade Fidelíssima o senhor D. João VI,
Epístola, Impressão Régia, com Licença da Comissão de Censura, Lisboa, Ano de
1820.
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