domingo, 7 de abril de 2013

A Verdade Exposta a sua Magestade Fidelíssima. Epístola. José Daniel Rodrigues da Costa. «Porque os crimes se abafassem, presentes, e outros favores era forca se aceitassem: e impunes os salteadores das cadeias se soltassem. Eram réus seis, sete vezes estes, a quem se valia; já se tinham por fregueses: e sempre se protegia corja de tão boas rezes!»

Cortesia de wikipedia

(Continuação)

Epístola
«Posto em fuga o Numerário,
reinava o flagelo, a fome;
tudo nos era contrário:
só tinha papéis, e o nome
O vosso Real Erário.

Isto de Papel Moeda
tem Decreto, que o regula;
mas bastante o Povo azeda
o não saber com que bula
a razão da Lei se arreda.

O Decreto, que se fez,
de justos motivos parte:
quem a forma lhe desfez,
recebe só uma parte,
paga com duas, e três.

O pedir era uma ofensa;
lá dentro era tudo arcanos,
por disfarce da detença,
e só no fim de dez anos
chegava um ano de Tença.

O Povo desesperado
de não ser cada um senhor
do mesmo que lhe foi dado!
Vivia num dissabor
tudo comendo fiado.

Já de porta em porta andavam
homens de hábito no peito,
que a tal chegar não pensavam:
perdendo ao pejo o respeito,
a pedir se abalançavam.

Rogando outra gente louca
hábitos de Avis, ou Cristo,
tendo fortuna bem pouca!
De Cruz ao peito os hei visto
Fazendo cruzes na boca.

Também, Senhor, não aprovo
darem-se as Tenças, que vemos
pois dizia todo o Povo:
se não pagam as que temos,
porque vem outras de novo?

Muita cousa há que notar
das que por nós tem passado:
mas farei por me lembrar,
sem ninguém ser apontado,
das mais fáceis de emendar.

Pela Justiça se via
Demasiado rigor,
que zelo ser parecia;
mas todo aquele furor
as mãos abertas cedia.

Porque os crimes se abafassem,
presentes, e outros favores
era forca se aceitassem:
e impunes os salteadores
das cadeias se soltassem.

Eram réus seis, sete vezes
estes, a quem se valia;
já se tinham por fregueses:
e sempre se protegia
corja de tão boas rezes!»

continua

In José Daniel Rodrigues da Costa, A Verdade, exposta a sua Magestade Fidelíssima o senhor D. João VI, Epístola, Impressão Régia, com Licença da Comissão de Censura, Lisboa, Ano de 1820.

Cortesia de Wikipédia/Arquivo Madeira/JDACT