Bons conselhos que se dão
não se devem desprezar;
e ás vezes tão úteis são,
que mil reis podem causar
quando ouvidos se lhes dão.
Anónimo
Epístola
Se eu por minha longa idade,
muito alto Rei e Senhor,
posso ter a liberdade,
com zelo, respeito, e amor,
de vos mostrar a Verdade.
Não julgueis isto demência:
dai-me , benigna atenção;
porque farei, com decência,
que não abuse a razão
da vossa Augusta paciência.
Teive, Miranda, e Ferreira,
e outros muitos escritores
seguirão igual carreira:
a seus reis, altos Senhores
brindavão desta maneira.
Eu querendo-os imitar,
as circunstancias me pedem
deste arbítrio mão lançar;
elas por mim intercedem,
para o perdão alcançar.
Vós mui bem sabeis, e eu
sei
que um rei não é Rei sem
Povo,
que sem infringir a Lei,
sem que seja caso novo,
se queixa o Povo ao seu rei.
Em Vós, Senhor, confiança
tem eterna o Povo Luso;
o seu amor o afiança;
e de o conhecer tem uso
toda a Casa de Bragança.
Os que nascem para reis,
tem sublime dignidade:
e Vós mui bem conheceis
quanta responsabilidade
todos impõem as Leis.
Inda que queira ser recto
monarca as virtudes dado,
conheço que o seu projecto
um Secretario de Estado
lho pode mudar de aspecto.
Não pode dar prémio justo,
nem castigar o culpado,
que não seja a muito custo:
dos que o cercam enganado
parece um monarca injusto.
Do que em palácio se passa
eu em dúvida não entro;
pois sabemos, por
desgraça,
que os que vivem lá por
dentro,
nunca se empenham de graça.
Licito agora me seja
usar eu desta expressão,
porque a verdade se veja:
até o império da ambição
tinha alicerces na Igreja.
Padre, que a bolsa esgotava,
benefícios acolhia,
quatro, e cinco disfrutava:
e a maior parte vivia
só das Missas, que alcançava.
A peso de bom dinheiro
pretensões se conseguiam:
quem mais dava era o primeiro:
talvez o mesmo fariam
lá no Rio de Janeiro!
continua
In José Daniel Rodrigues da Costa,
A Verdade, exposta a sua Magestade Fidelíssima o senhor D. João VI, Epístola, Impressão
Régia, com Licença da Comissão de Censura, Lisboa, Ano de 1820.
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