sábado, 13 de abril de 2013

Cartas a Ninguém. Ilustração de Ingrid Martins. Lisa Flores. «Esse clamor é uma sede de perfeição, harmonia e paz. É a luz que ilumina a viagem interior de um poeta. O poeta não necessita de nomear as coisas. As suas palavras são árvores, nuvens, mar, pássaros...»

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«A paisagem não exposta à vista, a essência da Natureza simbolizada pelas flores na arte lkebana e o valor da síntese na poesia haiku fundem-se, revelando-se intimamente ligados às estações do ano. Representam uma semente, ou fonte que liberta um mundo de emoções, sons, cheiros e cores.

Se às vezes digo que as flores sorriem
e se eu disser que os rios cantam,
não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
e cantos no correr dos rios…
(...)

Não concordo comigo mas absolvo-me,
porque só sou essa coisa séria, um intérprete .da Natureza,
porque há homens que não percebem a sua linguagem,
por ela não ser linguagem nenhuma.

(...) Se falo naNatureza não é porque saiba o que ela é,
mas porque a amo, e amo-a por isso (…)

In Alberto Caeiro, 1888-1935

O poeta não necessita de nomear as coisas. As suas palavras são árvores, nuvens, mar, pássaros... Não pássaros que vemos, mas pássaros que o poeta descreve com imagens, ritmos, símbolos e comparações. Como poeta que vive num presente intemporal, Caeiro é rudo o que Pessoa não é, e, além disso, é tudo o que poucos poetas contemporâneos podem ser: o Homem reconciliado com a Natureza. A obra de Lisa reflecte esta mesma íntima ligação entre imagem e escrita de rara intemporalidade, onde a atitude do homem no mundo é puramente contemplativa, perdendo assim a sua individualidade ao dissolver-se no anonimato do universo. Reflecte a essência do pensamento e atinge o conceito de universalidade, em nome da paz do Homem e da sua mais profunda razão de viver, que é afinal a própria Vida.
As Cartas a Ninguém são verdadeiros testemunhos do soluçar da alma. As palavras têm uma beleza que transcende tempo e espaço. Dizemos que um poeta pinta com palavras. Lisa Flores é também pintora, mas nesta obra é a sua pena que dá brilho e cores prodigiosas a descrições admiráveis. E não só. Ela chama pelo ninguém em cada um de nós e escuta o silêncio da solidão.

Silêncio redondo:
a música da cigarra
penetra na rocha
Bashô

Esse clamor é uma sede de perfeição, harmonia e paz. É a luz que ilumina a viagem interior de um poeta. Para Rilke, era a única viagem possível e uma experiência acumulada e oferecida aos homens do futuro para que pudessem ter o prazer de uma vida plena. Um dia há-de alguém escrever a Lisa!»

In Lisa Flores, Cartas a Ninguém, ilustração de Ingrid B. Martins, colecção Outras Obras, Nova Vega, 2004, ISBN 972-699-785-2.

Cortesia de Nova Vega/JDACT