«Da copiosa prole de Henrique II, da França, e de sua mulher, a
intolerante Catarina de Médicis, três filhos cingiram sucessivamente a coroa
daquele país:
- Francisco II, o enfermiço e meteórico primeiro marido da desventurada Maria Stuart;
- Carlos IX, morto, prematuramente, em 1574, vitimado pelos excessos de libertinagens romanas em que mergulhara pela vida fora e, um pouco, presa de remorsos por ter provocado, a instâncias de sua mãe, a odienta e estéril carnificina de S. Bartolomeu, em que pereceram alguns milhares de huguenotes;
- por último, o amoral e efeminado Henrique III, que não teve muito melhor destino.
De nenhum deles se pode afirmar que tivesse sido feliz. Mas, dos três,
o último foi o que viu o seu reinado mais dificultado por complicações de ordem
vária foi, também, o único que, na flor da vida, na idade de trinta e oito
anos, viria a sofrer morte violenta. Poucas seriam, porém, as pessoas que lhe
profetizaram a sorte que teve, tão auspicioso foi o seu nascimento, em 1551, no castelo de Fontainebleau, essa
dourada jóia da arquitectura francesa a que Francisco I, o Rei Magnífico,
dispensara tão grandes e desvelados cuidados. Com o título de duque de Anjou
foi desde logo agraciado.
O reino vivia, então, separado em zonas de influência dos grandes
senhores, e era permanentemente perturbado pelas graves dissidências internas,
que tinham a religião por fulcro e que acendiam guerras de vida e de morte
entre Católicos e Protestantes, com sorte alternada para ambos os contendores. Na
corte também os partidos divergentes se combatiam, mas, aqui, a luta era
insidiosa, de intrigas e de inteligência, não obstante a severidade da rainha
para todos aqueles que não professassem o Catolicismo.
Neste ambiente de subtilezas e hipocrisias, se desenvolveu o jovem
príncipe Henrique, formando o seu carácter, a que, sem dúvida, faltaram os predominantes
traços de integridade que o pudessem impor, senão à admiração, pelo menos à consideração
do reino. Filho amimado e favorito da rainha-mãe, Catarina, aproveitando a
morte do condestável de Montmorency, em 1567,
confia-lhe, com o título de tenente-general do reino, o comando geral dos exércitos
franceses, o que seria louca temeridade se não tivesse ao lado a experiência e
o saber de bons generais.
Henrique, em contacto com os rudes e varonis soldados e arrancado ao
ambiente amolecente da corte, poderia, porventura, integrar-se no carácter masculino
e abandonar certos costumes reprováveis (que não ocultava) se não os tivesse já
na massa do sangue. As suas forças encontram-se com a tropa dos Huguenotes em 1569 e sobre elas obtém as retumbantes
vitórias de Jarnac e de Montcontour, conseguindo desbaratar o inimigo. Tais
vitórias, mais devidas ao talento do seu ajudante, o marechal de Tavannes, do
que a ele, valeram-lhe, contudo, em grande parte, ter sido escolhido, em 1573, pelos polacos para sucessor do
seu rei Segismundo Augusto, morto sem herdeiro varão. Contava ele, nessa
altura, vinte e três anos de idade.
Poderia augurar-se-lhe melhor futuro? Na realidade, a sua fama de
combatente ofuscava a dos mais conhecidos e hábeis generais e, sendo um terceiro
filho, a sorte parecia bafejá-lo, colocando-lhe inesperadamente uma coroa real
na cabeça, quando, decerto, tinha afastado do espírito tal hipótese. A Polónia
era, por esses tempos, um país de certa maneira atrasado, e os polacos esperavam
do novo rei uma acção benéfica que desse poder ao reino e condições de
resistência aos ataques e às ambições vorazes dos possantes e cobiçosos
vizinhos. Ora, um guerreiro com tão boas provas prestadas satisfaria, possivelmente,
os anseios patrióticos dos polacos. No entanto, o destino de Henrique Valois
estava marcado de modo algo diferente. Breves meses ele se conservou sentado no
trono da Polónia. Com efeito, no ano seguinte, em 1574, surpreendeu-o a morte inesperada do irmão Carlos IX. Era mais
um golpe da boa fortuna a favorecê-lo.
Henrique torna-:se o natural herdeiro da aureolada coroa da França.
Entre as duas nações que lhe apresentavam o ceptro real, não podia hesitar. A
França era a sua pátria de berço e nação prestigiosa, poderosa. A gente era da
sua raça e a sua corte era-lhe familiar. Por seu turno, a Polónia carecia de
atractivos para si e o ambiente em que ali se movia não tinha os mesmos
deslumbrantes encantos da vida francesa.
A sua coroação como rei da França é assinalada com
vibrantes festejos. As populações, cansadas de guerras internas, que impediam o
franco progresso do reino, desejando ardentemente viver numa atmosfera calma de
labor profícuo, deposita as maiores esperanças no advento do novo reinado. Aos
olhos dos Franceses enganados, Henrique era um chefe hábil e enérgico, ao que
supunham, sendo por isso, de aguardar uma radical mudança na política do trono,
e o principal factor para tanto seria exactamente o apaziguamento das várias facções
religiosas que se afrontavam e disputavam entre si a supremacia do poder.
Esperava-se que ele soubesse harmonizar os desavindos chefes das seitas e
conduzisse o país por um rumo que o fortalecesse, ao contrário do que estava a
acontecer». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria
Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.