quinta-feira, 18 de abril de 2013

Largada das Naus. História de Portugal (1385 – 1500). António Borges Coelho. «Em 1419 os mouros vieram, em grande força, cercar Ceuta por terra e mar. Alguns combatentes tinham caminhado, durante mês e meio, a pé e a cavalo. As atalaias avistaram os primeiros inimigos a 13 e 14 de Agosto»

jdact

Cerco de 1418-1419
«Em 18 de Fevereiro de l416 o rei João I atribuiu ao filho Henrique:
  • o encargo... de todas as cousas que cumprem à nossa cidade de Ceuta e para sua defensão... Façam e despendam tudo aquilo que lhes o dito infante Henrique mandar fazer e despender por suas cartas e alvarás assim como nós mesmo lho mandássemos fazer e despender.
O rei escolhia o filho Henrique para instrumento da política marroquina. Em 1418, pela bula Rex Regum o papa Martinho V apelou à cruzada contra os muçulmanos. Pelo seu lado, o rei de Portugal obtinha, nas Cortes de Santarém desse ano, um pedido e meio para a defesa, contra as ameaças a Ceuta e as que provinham de novo de Castela, e contratava em Inglaterra o serviço de 300 lanças. As rendas da Ordem Militar de Santiago, senhora de boa parte das vilas marítimas do Sul, foram destinadas à luta contra os infiéis. O mesmo sucederá em 1420 às rendas da Ordem de Cristo, criada pelo rei Dinis com o expresso desígnio de combater os muçulmanos. Nesse ano, João I obtinha do papa a entrega do governo da Ordem de Cristo a seu filho Henrique, o homem designado para comandar o socorro à cidade de Ceuta, mas o apoio logístico do reino, como se vê pela documentação, cabia ainda ao infante Duarte.

Em 1419 os mouros vieram, em grande força, cercar Ceuta por terra e mar. Alguns combatentes tinham caminhado, durante mês e meio, a pé e a cavalo. As atalaias avistaram os primeiros inimigos a 13 e 14 de Agosto. Os cercadores enchiam as estradas e vieram assentar as suas tendas nas quintãs que se estendiam até ao mar. Zurara põe na boca do conde Pedro palavras de ânimo: oh nobre gente e nação português! Dos quatro reinos cristãos da Península, foi no nosso que mais perfeitamente ficou a linhagem gótica. Não estranheis, os mouros juntaram esta multidão toda para ver se vos podem espantar.

NOTA: Zurara diz seguir o relato que, primeiramente, ajuntou o Comendador. Como se chamava ele? De que Ordem? O relato é vivo, pleno de informações e de ideologia. As ondas andavam tintas do sangue daqueles infiéis. In Crónica do Conde D. Pedro.

Ao terceiro dia do assédio, as fustas de Granada vogaram para a praia de Almina, mas os besteiros não lhes deram trégua. Pelo seu lado, a gente de terra assediou e tomou a Torre de Bulhões que pertencia a João Pereira. A torre dominava o vale desse nome onde, no tempo dos mouros, vicejavam pomares, jardins, torres e casas pintadas. Os assaltantes tentaram escalar o muro por cima da porta de Fez. As bestas, algumas de garrucha e de torno, provocavam muitas baixas na multidão compacta. Havia mulheres que acarretavam pedras, outras vestiam roupas varonis e combatiam com lança e escudo. A mulher de Rui Gomes ajudava o marido nos tiros de besta e o conde Pedro disparava como qualquer um dos servidores.
Mas quando as fustas de Granada tomaram no mar uma zabra e redobraram os seus alaridos, muitos dos cercados temeram, mas aguentaram e passaram a noite a remendar as brechas rasgadas nos muros. Ao outro dia, as fustas mouras voltaram carregadas de combatentes. Encostaram novas escadas ao muro, mas os besteiros derrubaram os primeiros. Os segundos, como era seu costume, retiravam os corpos e caíam varados pelos viratões. A pressão maior incidiu sobre a Torre de Álvaro Mendes. Na cidade estava preso um arrais mouro. Fugiu pelo cano de esgoto. Era tão alto o cano que um homem podia ir de pé; e tão largo que permitia dois homens a par. Os mouros da praia vieram recolher o arrais e tentaram entrar pelo cano.
Quando a maré baixou, o conde mandou cavaleiros e besteiros carregar sobre a multidão. Os cercadores tentaram fugir para as fustas, mas tinham ficado a seco sobre as pedras. Houve muitos mortos e feridos, colhidos pelos viratões.

Armadas de socorro
Do reino saiu um primeiro socorro de 600 homens. Entre os capitães seguia Fernando de Noronha, futuro capitão da praça e depois marquês de Vila Real, os filhos de João Vaz de Almada, Pero e Álvaro, e Luís Gonçalves Malafaia, que depois foi rico-homem. Demoraram seis dias a chegar a Ceuta. Do Porto veio Fernão Sá, alcaide mor; do Algarve, Micer Carlos e Afonso Vasques Costa. Nas suas terras de Coimbra, o infante Pedro soube que o irmão Henrique tinha licença para embarcar e comandar uma segunda frota. Veio a Lisboa para se meter à socapa num navio. Num sermão, o confessor descobriu-lhe o intento. Embarcaram nesta segunda armada os infantes Henrique e João. Duarte e Pedro ficaram no Algarve. O rei de Granada ultimava, em Gibraltar, uma nova frota, mas quando os granadinos viram a armada de socorro a entrar no Estreito ficaram quedos». In António Borges Coelho, Largada das Naus, História de Portugal (1385 – 1500), Editorial Caminho, 2011, ISBN 978-972-21-2464-5.

Cortesia de Caminho/JDACT