terça-feira, 2 de abril de 2013

O Príncipe Constante. Pedro Calderón de la Barca. O Infante Santo. Maria Idalina Rodrigues. «As crónicas de Rui de Pina só foram editadas no século XVIII; entre 1790 e 1792, vieram a lume as de Duarte, Afonso V e João II; muito provavelmente a outro cronista deveriam ser reservados os louros pelo trabalho»

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«Tentemos então acertar o passo com anteriores e posteriores relatos, neles atentando como espaços de reflexão para o que, até tempos de Calderón de la Barca, terá sido o xadrez interpretativo (e nem sempre coincidente) da estatura moral, da via dolorosa e dos favores sobrenaturais ao Infante Fernando. Um tanto, mas não só, para não atrasar o encontro com El Príncipe Constante, haverá que seleccionar directrizes, visto que nem todas as vicissitudes do nosso protagonista nos importa revisitar com o mesmo intento pesquisador. Assim, tomaremos como linhas mestras os binómios patriotismo vs religiosidade e auto-sacrifício vs sacrifício imposto, as etapas e os contornos do martírio, as visões e os milagres e as desencontradas indicações sobre a sua trasladação para Portugal, não significando isto necessariamente que nos furtemos, de quando em vez, à aproximação de outros troços aparentemente  biográficos que possam ser-nos úteis nesta rede de (des)encontros a deslindar, como será o caso das manifestações virtuosas do Infante. Começar pelo princípio não é tarefa de alto risco.

NOTA: Embora com grande salto no tempo, e sem que neste artigo naturalmente como corpus os retenhamos, lembremos os belos versos de Fernando Pessoa, na Mensagem: Deu-me Deus o seu gládio porque eu faça / A sua santa guerra. / Sagrou-me seu em honra e em desgraça, / Às horas em que um frio vento passa / Por sobre a fria terra. (…) E eu vou, e a luz do gládio erguido dá / Em minha face calma. / Cheio de Deus não temo o que virá, /Pois, venha o que vier, nunca será / Maior do que a minha alma. Antes de nos centrarmos nos textos que ao Infante tomam como protagonista, lembremos que, no Cancioneiro Geral, Diogo Brandão assim fala dos irmãos do monarca Duarte: Seus jrmãos, os ijfantes, que tanta de parte / na vertude teverã, polo bem que obraram, / tendo nas vydas trabalhos que farte, / com tristes socessos algus acabaram. Cito pela edição de Gonçalves Guimarães, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1913.

É prática aceitar as dívidas de Camões para com Rui de Pina, no que com o acontecer histórico realmente se prendem Os Lusíadas; se outras fontes terão sido consultadas, pelo menos, o manuscrito do cronista real deverá, afigura-se pacífico, ter sido uma das principais.

NOTA: As crónicas de Rui de Pina só foram editadas no século XVIII; entre 1790 e 1792, vieram a lume as de Duarte, Afonso V e João II; muito provavelmente a outro cronista deveriam ser reservados os louros pelo trabalho, mas, neste artigo, vamos considerá-las como suas. Por razões pontuais de ordem prática, farei as citações por Crónica do Rei D. Duarte, edição organizada por António Borges Coelho, Lisboa, 1966 e Chronica do Senhor Rey D. Afonso V, em Crónicas de Rui de Pina, introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, Porto, 1977.

Que nos vem então ensinar o cronista de Duarte I e de D. Afonso V sobre os sucessos que aqui nos importa não ignorar e sobre alguns dos seus antecedentes que talvez valha a pena não perder por completo de vista? Pelo primeiro dos textos, ficamos a saber que o Infante, apesar de ter sido provido com o Mestrado de Avis, lhe parecia que com estas cousas ainda em honra, terras e rendas era desigual em muita parte aos infantes seus irmãos e mostrava de si grande descontentamento; apontadas, por ele próprio, algumas hipóteses de ver acrescidos os seus escassos bens, e apesar de muitas reticências por parte de gente de peso na corte, acabaria por ganhar terreno uma sugestão do Infante Henrique, nela se encaixando, não só, nem talvez prioritariamente, a justiça de uma recompensa a Fernando, como também a resolução de alguns problemas de segurança do reino. Trata-se, claro está, da tentativa de conquista de Tânger.
Esmiuçam-se, então, os preparativos, alinham-se informes sobre a viagem, chega-se evidentemente à derrota dos portugueses e, por fim, ao entendimento para a devolução de Ceuta, ficando, como refém de que assim se faria, o Infante Fernando. Sob grande e compreensível consternação, em Portugal, uns meses depois, convocam-se cortes para Leiria, e, travado o combate das palavras entre prós e contras, nelas se decide que Ceuta não será moeda de troca, o que não significava, diga-se em abono da verdade, desinteresse pela sorte de Fernando para cuja libertação se procurariam outros meios. Tudo isto, apesar de em público ter sido lido um escrito de apontamentos que o infante Fernando, estando ainda em Arzila, para onde fora a partir de Tânger, enviou a ele [ao rei] e a seu Conselho, em que desejoso sair de cativo, apontava algumas causas e razões porque não era serviço del-rei, nem bem de seus reinos manter-se Ceuta pelos cristãos, assinando os danos e perdas e grandes despesas que Portugal pela suster recebia. E assim alegando outras muitas fundadas em uma natural piedade por as quais Ceuta se devia dar por ele (…), Rui de Pina, Crónica do Rei D. Duarte». In Maria Idalina Rodrigues, Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante, Via Spiritus 10, 2003.

Cortesia de Via Spiritus/JDACT