NOTA: De acordo com o original.
Explicação. Parte I
«Algum tempo depois ao passar por uma antiga
livraria prendeu-me a attenção um volume com o titulo singular How to observe. Reconheci ao abril-o, que continha instrucções
bastante claras sobre o que se devia observar e o modo de o fazer.
Interessou-me imenso, e senti o desejo de saber; fui assim levado a comprar quasi
uma collecção completa de livros ácerca da Africa, sua geographia, geologia,
botanica e ethnologia. Vi-me d'este modo cercado de mais de cento e trinta
volumes ácerca d'Africa, e a cujo estudo me entreguei com a paixão de quem
n'isso punha um interesse vital e com a percepção de quem já por quatro vezes
estivera n'aquella parte do mundo. Estudei quanto fôra descoberto pelos exploradores
africanos e fiquei sabendo o que ainda restava mysterioso para o mundo no
interior da Africa.
Muitas vezes me conservei sentado á mesa de estudo
até adiantada hora da noite planeando e traçando estradas, delineando compridas
vias possiveis de exploração, atendendo ás numerosas observações que resultavam
d’este incessante estudo. Escrevi numerosas listas de instrumentos e de todos
os mais objectos, que poderiam ser necessários para levantamento de terrenos, coordenação
de mappas e descripção das novas regiões, que me propunha atravessar. Um dia,
passeiando, dirigi-me acaso para o escriptorio do Daily Telegraph, pensando
sempre no meu projecto: emquanto discutia com um dos directores, acerca de
emprezas jornalisticas entrou o redactor-proprietario. Fallamos de Livingstone e do que elee deixara
por fazer. Em resposta a uma observação mais viva da minha parte tornou-me
subito o redactor. - Quer o Stanley completar a obra? Póde fazel-o? E que
falta ainda conhecer? - O escoante do lago Tanganika é ainda desconhecido, respondi logo.
Do lago
Victoria, se exceptuarmos o que Speke esboçou, pouquissimo se
conhece; nem mesmo sabemos se esta bacia hydrographica é um lago apenas ou se
formada de muitos; e por consequencia continuam ainda desconhecidas as
nascentes do Nilo. Atém d'isso a metade occidental do mappa d'Africa está ainda
completamente em branco. - E julga o Stanley
que poderá resolver todos esses problemas se nós lhe fornecermos os meios necessarios? - Em quanto
eu fôr vivo alguma coisa se irá fazendo. E se a morte me não arrebatar muito
cedo ao cumprimento da minha missão, creio que tudo ficará resolvido. Terminou
por aqui a discussão, porque tendo James Gordon Bennett, do New-York
Herald, o principal direito aos meus serviços, nada se poderia decidir
sem seu consentimento. Entretanto expediu-se-lhe immediatamente para Nova-York
o seguinte telegramma:
- Quer o sr. J. Bernett associar-se ao Daily Telegraph para enviar Stanley á Africa a completar as descobertas de Speke, Burton e Livingstone?
Vinte e quatro horas depois estava resolvida a
minha nova missão á Africa por esta laconica resposta transmittida atravez do
Atlantico: Sim. Bennett. Poucos dias
antes da minha partida para o continente africano annunciou o Daily
Telegraph, que os seus proprietarios se haviam associado a J. Bennett a
fim de enviar uma expedição de descoberta ao interior d'Africa, sob o commando
de Henrique M. Stanley:
- O fim da empreza, dizia o jornal, é completar os trabalhos interrompidos pela morte do saudoso Livingstone; resolver, sendo possivel, os restantes problemas da geographia da Africa Central; e saber e apontar quaes os logares frequentados pelos mercadores de escravos… O commandante da expedição representará as duas nações, cujo interesse commum pela regeneração da Africa foi assaz claramente manifestado, quando o enérgico correspondente americano foi procurar ao seio d'Africa o audaz explorador inglez, julgado perdido por tão demorada falta de noticias. N'esta memoravel viagem patenteou Stanley as mais eminentes qualidades de explorador africano; e os vastos recursos postos á sua disposição, juntos ao seu completo conhecimento das condições de uma viagem na Africa, devem fazer esperar d'esta empreza os mais importantes resultados para a sciencia, para a humanidade e para a civilisação.
In Henry Morton Stanley, Atravez do
Continente Negro (ou as nascentes do Nilo, Circumnavegação dos grandes lagos da
Africa Equatorial e descida do rio Livingstone ou Congo até ao oceano
Atlantico), tradução do inglês por Mac-Noden, Lisboa, Mendonça & Irwin,
Empresa Editora, Lallemant Frères, Typ. Lisboa (fornecedores da Casa de
Bragança), 1880.
Cortesia de Mendonça & Irwin/JDACT