domingo, 7 de abril de 2013

Palavras que Queimam. As Imagens de Clarice Lispector em Água Viva. Joyce Alves. «A noção de movimento que se verifica na obra, uma vez que os artistas plásticos, como pintores e escultores, também desejaram transmitir a ideia de movimento por intermédio de suas obras»

Clarice Lispector, fotografada por uma amiga em Paris 
no final da década de 40.
Cortesia de wikipedia e jdact

Resumo
Este trabalho aponta as relações interartísticas entre o livro Água Viva (1973) de Clarice Lispector e as artes plásticas. Podemos dizer que essa obra é composta por fragmentos que dialogam com a música e, em especial, com a pintura. Inicialmente foi realizado um estudo sobre a vida e a obra de Clarice Lispector e, para tanto utilizamos dois estudos biográficos, o primeiro de Nádia Battella Gotlib (1995) e o segundo de Benjamim Moser (2009), além de alguns comentários de Benedito Nunes e Berta Waldman. Para que pudéssemos estabelecer o contraponto entre essa narrativa e as artes plásticas foram realizadas algumas leituras em torno dos estudos comparados, apoiando-nos em textos de Henry Levin, Tânia Franco Carvalhal e outros. Teóricos foram lidos para compreender como se dá o intercâmbio entre as artes. Percebemos que procedimentos empregados no impressionismo, no expressionismo, no cubismo e, de um modo geral, na pintura moderna podem ser evidenciados na composição de Água Viva. Num movimento que vai da expressão poética à expressão plástica, Clarice se entrega à pintura por meio da palavra. A partir de uma leitura atenta da obra foram seleccionados trechos que se correspondem com a pintura.
Notamos que além de transitar por diferentes estéticas, Clarice faz, nesse livro, referências às telas que produziu entre 60 e 70, período que culmina com a composição de Água Viva, o que amplia as possibilidades de correlacção entre o processo de criação artística do escritor e do pintor.

Os pintores e os poetas sempre gozaram da mesma forma do poder de ousarem o que quisessem. In Horácio

Introdução
A literatura comparada é a disciplina base deste trabalho e, diante do desequilíbrio existente entre a teoria e a prática dessa disciplina, é preciso lembrar o pensamento de Harry Levin, 1994, justamente por consistir numa forma de conscientização em torno da crise da literatura comparada:
  • Debatemos interminavelmente sobre problemas puramente esquemáticos. [...] Resumindo, a substância de nossa busca comum é comprometida por um excesso de ênfase na organização e na metodologia. 
Acreditamos que o exercício comparativo propriamente dito, de contrapor escritores e obras literárias ou uma arte e outra, consiste em exercício muito mais edificante do que as discussões puramente teóricas, que se arrisca a uma leitura de Água Viva (1973), de Clarice Lispector em seu diálogo com a pintura. Muitos estudos críticos aproximam o livro Água Viva com outras formas de manifestação artística, mas não são extensos os trabalhos que de facto se propõem a comparação. Portanto, temos como principal objectivo o exercício comparativo de trechos do livro Água Viva com diferentes telas plásticas e estéticas. Pretende-se evidenciar essa correspondência interartística em Água Viva sob a consciência de que outras obras de Clarice também possuem uma linguagem plástica e permitem tal diálogo.
Ao compor essa narrativa, a escritora emprega técnicas que são próprias da pintura impressionista, cubista, surrealista, entre outras. Além disso, é possível estabelecermos uma relação entre essa obra e as telas da própria escritora, pintadas entre as décadas de 60 e 70, período em que a mesma escreveu o livro. Benjamim Moser com pertinência afirma que Água Viva pode ser aberto em qualquer página, assim como uma pintura pode ser observada de qualquer ângulo, e pulsa com uma sensualidade que lhe dá um apelo emocional directo e inigualado. Clarice comparou a obra com as imagens de um caleidoscópio. Essa comparação nos faz pensar no diálogo entre palavra, imagem e movimento que perpassa a obra. Além disso, o próprio título, Água Viva, exprime esse movimento presente no livro. Essa noção de movimento que se verifica na obra nos chama atenção, uma vez que os artistas plásticos, como pintores e escultores, também desejaram transmitir a ideia de movimento por intermédio de suas obras.
Esse livro de Clarice, apesar de pouco lido, é muito particular, pois possui uma estrutura diferenciada das demais obras da escritora, sendo rica em poeticidade e plasticidade o que o torna tão importante quanto os seus romances mais conhecidos como A hora da Estrela (1977), ou os mais bem estruturados, como A maçã no Escuro (1961). A maior fonte da riqueza de Água Viva são exactamente os atributos poéticos e plásticos utilizados por Clarice ao compor essa narrativa». In Joyce Alves, Palavras que Queimam, As Imagens de Clarice Lispector em Água Viva, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, UEMS, Orientação de Maria Helena Queiroz, A479p, Dourados-ms, CDD 20.ed. 800, 2010.

Cortesia da UEMS/JDACT