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Fica-se a conhecer o conceito
predicável. vos estis sal terrae,
Vós Sois o Sal da Terra. Este
conceito vai ser encaminhador para todo o sermão, alegórico. O sal representa a
palavra de Deus e terra significa os Homens que habitam na terra. O efeito do
Sal é preservar o bem e impedir a corrupção. Padre António Vieira faz ainda referência a Cristo Senhor para
reforçar e dar credibilidade às suas palavras.
Pregado em S. Luís do Maranhão,
três dias antes de se embarcar ocultamente para o Reino. Vos
estis sal terrae. S. Mateus, V, l3.
I
«Vós, diz Cristo, Senhor nosso,
falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra,
porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos
nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta
corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa
salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira
doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira
a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e
os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa
salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que
dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e
não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de
servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!
Suposto, pois, que ou o sal não
salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a este sal e que se
há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal que não salga,
Cristo o disse logo: Quod si sal
evanuerit, in quo salietur? Ad
nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus,
Se o sal perder a substância e a
virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer,
é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos. Quem se
atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não
há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a cabeça que o
pregador que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprezo e de
ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida prega o contrário.
Isto é o que se deve fazer ao sal que
não salga.
E à terra que se não deixa salgar,
que se lhe há-de fazer? Este ponto não resolveu Cristo, Senhor nosso, no
Evangelho; mas temos sobre ele a resolução do nosso grande português Santo
António, que hoje celebramos, e a mais galharda e gloriosa resolução que
nenhum santo tomou. Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino,
contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são
dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar
contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria
neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como
Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia
fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que
sacudir. Que faria logo?
Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso
ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória
divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que
fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina.
Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a
dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.
Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a
ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os
pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António
pregava e eles ouviam». In Fundação C. Gulbenkian.
Cortesia de FCG/JDACT