quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Enrique II de Castela, ‘o das Mercês’, primeiro rei da dinastia de Trastâmara; empreendeu esta acção no Monte Olivete por conselho de Diogo Lopes Pacheco, oitavo senhor de Ferreira de Aves»

jdact

Crónica de uma difamação anunciada
Uma criança de peito
«Em meados de Março de 1439, quando faltavam à rainha cerca de quinze dias para terminar a gravidez, faleceu a sua filha mais velha, a infanta Filipa, de oito anos, vítima de uma sequela da epidemia de peste bubónica que acabara com a vida do seu pai. Perante a possibilidade de isso ser utilizado pelos seus adversários políticos para tentarem retirar-lhe a custódia do rei, D. Leonor decidiu sair de Lisboa. A 16 de Março, depois de assinar com o cunhado uma carta através da qual se pretendia aliviar a mingua de legumes e outros mantimentos de que sofria o povo, anunciou que abandonava a cidade. Enquanto os camareiros preparavam a partida, o pequeno rei e o seu irmão, na altura herdeiro, infante Fernando, foram levados para Almada, no outro lado do Tejo, e alojados na quinta do Alfeite, antigo feudo das rainhas de Portugal.

NOTA: Esta propriedade foi doada pela rainha D. Leonor Teles ao seu almoxarife David Negro. Este ver-se-ia expropriado da mesma após a batalha de Aljubarrota, por causa da sua colaboração com os castelhanos, e doada ao condestável Nuno Álvares Pereira. D. Cinfa, mulher de David, e os seus filhos interpuseram recursos alegando que não tinham tido nada que ver com as relações do almoxarife. Na mesma se refugiara o monarca Duarte durante una epidemia de peste anterior e porque começaron de morrer de pestenença em Lisboa, mandou a Raynha sua molher, e os Ifantes seus filhos a Sintra, elle se foi a huua Quintaa, que se diz Monte Olivete, junto com Sancto Antam, onde esteve alguus diaas, e dhi por evitar perigos dos aares corrutos que se cada vez mais ascendian, se foy a Santarem. Rui de Pina, Chronica de El-Rey D. Duarte.

A soberana e as suas duas filhas, as infantas Leonor e Catarina, de cinco e três anos respetivamente, instalaram-se numa residência situada a cerca de mil passos fora das muralhas, a oeste de Lisboa: a quinta do Monte Olivete, situada sobre uma colina de onde se podia ver Almada. Era o mesmo local onde um rei castelhano, bisavô da rainha, queimara e destruíra campos e vinhas durante o cerco ao qual submeteu a cidade de Lisboa em 1373. Graças a documentos da chancelaria régia, sabemos que ali se encontravam a rainha e as infantas a19 de Março de1439,e que a 22 de Março D. Leonor fez uma breve visita a Almada para ver os filhos, tendo depois regressado a Monte Olivete.

NOTA: Enrique II de Castela (1333? -1379), o das Mercês, primeiro rei da dinastia de Trastâmara; empreendeu esta acção no Monte Olivete por conselho de Diogo Lopes Pacheco (1305-1383), oitavo senhor de Ferreira de Aves.

A rainha deu à luz pouco depois do seu regresso, o que levou a datar o nascimento da infanta Joana de Portugal em finais de Março. A futura rainha consorte de Castela veio ao mundo num parto assistido por Catarina Afonso, a primeira parteira ao serviço da família real portuguesa da qual se tem registo. Uma mulher originária de Évora que ainda recebia uma pensão da Câmara em 1446, já depois da morte da rainha D. Leonor. Como era tradicional no caso dos infantes da Península Ibérica, Joana de Portugal não seria amamentada pela mãe, mas por uma ama de leite cujo nome se desconhece, embora se tratasse provavelmente de uma mulher muito ligada a ela, uma vez que permaneceria ao seu lado pelo menos os vinte e três anos seguintes. Em Castela, a escolha de uma ama real era considerado algo tão fundamental que um rei, tio da rainha D. Leonor, tinha pessoalmente encarregado da escolha da ama de leite dos seus filhos a prioresa do mosteiro de Santo Domingo el Real de Toledo, um convento para o qual a infanta Joana seria enviada anos mais tarde. Geralmente, as escolhidas eram esposas de pequenos fidalgos de província, necessariamente cristãos velhos.

NOTA: Além do cronista Gaspar Dias de Landim, também o afirma Rui de Pina, a rainha se foi a uma quinta junto a Santo Antão, que se chama Monte Olivete... E alli pariu a Infante D. Joana, que despois foi Rainha de Castela. No local onde, actualmente, se ergue o Museu de Ciências Naturais, que tem ao fundo o Jardim Botânico de Lisboa; a poucos metros de onde nasce a rua do Monte Olivete em direcção ao Tejo.

No entanto, a rainha D. Leonor de Portugal, recorrera a mulheres de diferentes origens se bem que quase sempre casadas com membros da nobreza de serviço na corte há várias gerações. Segundo a tradição portuguesa, anterior ao nascimento do reino, procurava-se por esse meio reforçar os laços de fidelidade entre os membros da família real com certas linhagens estratégicas. Não apenas através das amas de leite e dos seus maridos, mas também por meio da relação que se criava entre os infantes e os respectivos irmãos de leite ou colaços. Esta circunstância também ocorreria no caso da infanta Joana com o filho da sua ama. Afonso de Sequeira, seu colaço, chegaria a ser um dos oficiais mais importantes da casa de Joana como rainha de Castela. É provável que pertencesse à mesma linhagem do aio do avô paterno da infanta o antigo mestre de Avis, mais tarde João I de Portugal.

NOTA: Frei Fernando Rodrigues de Sequeira (morte provável em 1431), aio do mestre de Avis em 1387, futuro João I de Portugal, comendador-mor em 1430. Também não se pode descartar que fosse aparentado com Leonor Gonçalves, que fora uma das amas do herdeiro, e irmã de outra ama de leite de Afonso V, Catarina Gonçalves, casada com Martim Vaz de Sequeira, possível parente ou até descendente de frei Fernando. Com o que se manifestaria a origem social algo modesta das amas eleitas pela rainha D. Leonor, possivelmente em Évora, que se compensava genealogicamente através da sua união com pessoal da nobreza de serviço na corte. Mecia de Sequeira, outra possível parente do descendente de frei Fernando, foi certamente ama da princesa santa Joana de Portugal, sobrinha carnal da nossa biografada.

Por isso chama a atenção o facto de a documentação nunca mencionar a identidade da sua mãe. Sobretudo porque o elenco das amas de leite da casa real portuguesa é um dos mais bem documentados entre os reinos da Cristandade, em especial a partlr da instauração da dinastia de Avis». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT