Às vezes as coisas dentro de nós
O que
nos chama para dentro de nós mesmos
é uma
vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer
coisa que nos muda a escala do olhar
e nos
torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós
que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo
movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos
ao zero irradiante, ao ver
o que
foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que
não tem tamanho, mas está agora
engrandecido
dentro do novo olhar.
Poema
de Fiama Pais Brandão, in ‘As Fábulas’
A um poema
A
meio deste inverno começaram
a
cair folhas demais. Um excessivo
tom
amarelado nas imagens.
Quando
falei em imagem
ia
falar de solo. Evitei o
imediato,
a palavra mais cromática.
O
desfolhar habitual das memórias é
agora
mais geral e também mais súbito.
Mas
falaria de árvores, de plátanos,
com
relativa evidência. Maior
ou
menor distância, ou chamar-lhe-ei
rigor
evocativo, em nada diminui
sequer
no poema a emoção abrupta.
Tão
perturbada com a intensa mancha
colorida.
Umas passadas hesitantes.
entre
formas vulgares e tão diferentes.
A
descrição distante. Sobretudo esta
alheada
distância em relação a um Poema.
Poema
de Fiama Pais Brandão, in ‘Três
Rostos’
Epístola para os meus medos
Sois,
os sons roucos, a espera vã, uma perdida imagem.
O
coração suspende o seu hálito e os lábios tremem
sinto-vos,
vindes ao rés da terra, como ventos baixos,
poisais
no peitoril. Sois muito antigos e jovens,
da
infância em que por vós chorava encostada a um rosto.
Que
saudade eu tenho, ó escuridão no poço,
ó
rastejar de víboras nos caniços, ó vespa
que,
como eu, degustaste o figo úbere.
Depois,
mundo maior foi a presença e a ausência,
a
alegria e as dores de outros que não eu.
E um
dia, no alto da catedral de Gaudí,
chorei
de horror da Queda, como os caídos anjos.
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