Introdução
«A infanta D. Maria (1521-1577) foi o único fruto do
matrimónio que uniu, em 1518, Manuel
I (1469-1521), rei de
Portugal, à sua terceira mulher, D. Leonor de Habsburgo (1498-1558). Tinha laços de parentesco
com alguns dos mais importantes soberanos da Europa: os imperadores Carlos V
(1500-1558) e Fernando I (1503-1564) eram seus tios maternos; Filipe
II (1527-1598), rei de Castela, Aragão e Nápoles e, mais tarde, de
Portugal, era seu primo e sobrinho; Francisco I (1515-1547), rei de
França, era seu padrasto. Tendo perdido o pai com escassos meses de idade, foi
privada da companhia da mãe em 1523,
só a tendo revisto 34 anos volvidos, num curto encontro realizado em Badajoz. Na
prática, foi criada pelo meio-irmão mais velho, João III (1502-1557), e pela mulher deste, que
era igualmente sua tia materna, D. Catarina (1503-1578). Conheceu ainda
um outro rei de Portugal, seu sobrinho-neto Sebastião I (1554-1578).
Conviveu também com vários meios-irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos netos
de ambos os sexos, alguns dos quais viu morrer.
Teve direito a uma vastíssima fortuna, advinda quer dos termos em que
foi elaborado o contrato matrimonial de seus pais quer da herança que lhe ficou
por morte da mãe, que entretanto se havia tornado rainha de França pelo seu casamento
com Francisco I. Seja como for, razões diversas fizeram com que nem
sempre tenha usufruído de tudo aquilo a que tinha direito. Culta, como tantas
outras figuras femininas do Renascimento europeu, rodeou-se de outras mulheres
igualmente dotadas sob o ponto de vista intelectual e exerceu um não
despiciendo mecenato literário e artístico. A posteridade guardou sobretudo
esta faceta da sua personalidade. Embora se tenham projectado vários enlaces,
alguns dos quais de peso, como os que a poderiam ter unido a dois filhos de
Francisco I, a Henrique VIII, rei de Inglaterra, ou aos já referidos Filipe II
e Fernando I, D. Maria, por motivos
muito diversos, nunca casou.
Uma Infanta na Historiografia
Depois de, como seria de esperar, ter sido referida e elogiada até à
exaustão em vida, por exemplo, por André de Resende (1545), João de
Barros, cujo panegírico é, datável de 1545,
embora só tenha sido editado em 1655,
Jorge Ferreira Vasconcelos (1567), Damião de Góis (1566) e Jerónimo
Osório (1571), e na hora da morre, a infanta
D. Maria surgiu em obras de finais de Quinhentos
e de Seiscentos aureolada com virtudes diversas. Veja-se os casos dos
textos de Pero Rodrigues Soares, autor que morreu em 1628 ou pouco
depois, não tendo visto a sua obra publicada, Pedro de Mariz (1594), Duarte
Nunes Leão (1610) e frei Luís dos Anjos (1626).
NOTAS: Gabriel Paiva Domingue,, A sempre noiva. Carta de
André de Resende à infanta D. Maria, Humanitas,
Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras. Um inventário muitíssimo
incompleto da bibliografia sobre a infanta D. Maria foi feito por Isaltina Figueiredo
Martins, Bibliografia do Humanismo em Portugal no Século XVI, Coimbra,
Universidade de Coimbra. Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, nova edição, conforme a l.ª,
de 1566, parte IV, Coimbra,
Universidade de Coimbra, 1955. Estranhamente, apenas chegou até nós um elogio
fúnebre da infanta. Cfr. Domingos Maurício, O elogio fúnebre da infanta D.
Maria e os amores de Camões, Brotéria,
vol. XVI, fasc. 6, Lisboa, 1933. O nefasto acontecimento também suscitou um
epigrama da autoria de Inácio Morais, mas o respectivo texto não é conhecido.
Cfr. Aires Pereira Couto, Inácio Morais.
Percurso Biográfico e Literário de um Humanista de Quinhentista, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. Duarte Nunes Leão, Descrição do
Reino de Portugal, transcrição do texto, notas, aparato crítico e biografia
do autor por Orlando Gama, estudos introdutórios de António Borges Coelho, Universidade
de Lisboa, 2002.
Entre 1653 e 1668, data da sua morte, frei Miguel
Pacheco redigiu, em castelhano, uma importante obra biográfica sobre a
infanta. Tendo começado a ser impressa em Madrid, tarefa essa que se
interrompeu com a morte do autor, veio depois a sair dos prelos de uma tipografia
de Lisboa, em 1675. Neste livro
elogiam-se as virtudes de D. Maria,
que deveria servir de modelo a D. Isabel Luísa Josefa, filha do então
príncipe regente e herdeiro da Coroa portuguesa, o futuro rei Pedro
II. Frei Miguel Pacheco era regular da ordem de cristo, fora
lente no convento de Tomar e, quando redigiu a sua obra, desempenhava as funções
de administrador do hospital real de Santo António dos Portugueses em Madrid.
O século XVIII primou por alguma falta de originalidade. Quem escreveu
sobre a infanta D. Maria limitou-se,
quase só, a glosar autores do passado, sobretudo frei Miguel Pacheco. Disso são
exemplos Manuel Tavares (1734), João São Pedro (1736), António
Caetano Sousa (1737), José Pereira Baião (1737) e Diogo Barbosa Machado
(1751). Entretanto, a infanta ia merecendo as atenções de autores do século XIX
ou dos inícios do XX que, na maior parte dos casos, se baseavam na obra de frei
Miguel Pacheco, citando-o ou não. Os seus trabalhos não constituíram
propriamente contributos originais. Foi o que se passou com Fonseca
Benevides (1828), conde de vila Franca (1884), António da Costa (1892),
J. P. Franco Monteiro (1893) e Francisco Paula Villa-Real y Valdivia
(1899).'
Marcantes, depois de frei Miguel Pacheco, foram alguns aurores
que publicaram nos alvores do século XX, Carolina Michaëlis de Vasconcelos
(1902), Vítor Ribeiro (1907) e Gomes Brito (1907-1910). A
primeira, fez a biografia possível da infanta, dando particular atenção aos
aspectos relacionados com a faceta cultural. Vítor Ribeiro esclareceu aspectos
relacionados com o interesse de D. Maria
quer pela zona da Luz quer
pelos mais desfavorecidos. Gomes Brito estudou três livros de tenças
testamentárias da infanta, publicou um deles e trouxe algumas contribuições
esparsas para a biografia da filha de Manuel I e D. Leonor. De referir
ainda, da mesma época, um pequeno texto de Joaquim Araújo (1909), que
revelou alguns dados soltos, até então desconhecidos». In Paulo Drumond Braga, D. Maria,
1521-1577, Uma Infanta no Portugal de Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa,
2012, ISBN 978-989-689-244-9.
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