Desenho rodado com efígies de Afonso e D. Mafalda. O mais antigo original da chancelaria régia com referência a D. Mafalda
jdact
O reino de Portugal à chegada de
Mafalda de Sabóia
Chegado ao poder em 1128,
com cerca de 20 anos, passaram-se anos até que Afonso Henriques tomasse esposa.
Foram longos dias de uma necessária afirmação interna, perante uma nobreza que
se questionaria sobre a sua ambição e as suas capacidades. Por isso, foram tempos
de captar indecisos, convencer incrédulos e agraciar partidários. Como foram
momentos de muita preocupação e de muito labor em prol da estabilidade de uma fronteira
com os Leoneses e com os muçulmanos.
O rei e o reino
Quando D. Mafalda de Sabóia, mulher de Afonso Henriques, chegou a
Portugal, nos primeiros meses de 1146,
aquele que ela vinha receber por marido tinha percorrido já um longo caminho
que o guindara a rei dos Portugueses e de Portugal e a governante aceite entre
os poderes da cristandade. Ia já longe o tempo da Batalha de São Mamede e
tinham entretanto ocorrido em Portugal outros acontecimentos que confluíam
afinal na afirmação da vitória daquele dia24 de Junho de 1128. A década em que D. Mafalda de Sabóia chegava a
Portugal iniciava-se sob os auspícios daquele que seria um dos momentos mais
marcantes da vida de Afonso Henriques:
- A sua aclamação como rei, no campo de batalha. Foi em Ourique, em 1139.
Na aproximação da batalha, naquele momento em que os homens, uns velhos
guerreiros experimentados nas lides com os muçulmanos, outros jovens
inexperientes, ansiosos pelos louros de uma vitória, todos sentiram o peso do
desafio, no dizer das crónicas. Afonso Henriques era alçado a rei de Portugal. Pelo enaltecimento das
virtudes guerreiras e da valentia do seu chefe, os seus companheiros
legitimavam assim, no campo de batalha, um poder que ele já exercia.
Se sabemos hoje que a batalha de Ourique viria a marcar em
definitivo o curso da governação do seu governo e o futuro das terras em que
ele se exercia e veio a exercer-se nos anos seguintes, não é menos certo que os
homens da época se aperceberam que viviam um momento decisivo e lhe deram um
significado para além da circunstância. Que assim foi prova-o, em primeiro
lugar, todo o conjunto de referências, nem sempre directas ou diretamente
reportadas ao facto, e toda a construção histórico-simbólica que se foi erguendo
em volta de tal acontecimento, como é conhecido. Ao tempo em que D. Mafalda
chegou a Portugal, correriam ainda as lembranças dos que haviam estado em Ourique.
Com orgulho e talvez com alguma saudade dos companheiros que haviam ficado no
campo de batalha, das horas de vitória ou dias da juventude, eles relembrariam
os momentos em que, antecedendo o recontro, os homens de Afonso Henriques o aclamaram
por seu rei, elevando-o, tudo o indica, no seu pavês.
A lembrança da sua aclamação e da batalha seria uma daquelas histórias que
a rainha
Mafalda ouviria, talvez até com alguma frequência, na corte onde veio
reinar. Serviria, sem dúvida, à exaltação dos méritos de seu marido, na dupla
vertente de guerreiro valoroso e chefe querido dos seus companheiros de armas. Mas
outras histórias ela ouviria, algumas ligadas, tudo o indica, ao sucesso dessa
batalha. Até porque em Coimbra pairariam ainda os ecos de uma entrada muito
especial, triunfal quase, de Afonso
Henriques, pelo ano de 1139,
que deixou memória entre os homens do seu tempo. Lembravam a recepção que o
bispo de Coimbra, Bernardo, e o arcebispo de Braga, João Peculiar,
que estava em Coimbra, regressado de Roma, onde fora para receber a insígnia
metropolítica, o pálio, acontecimento
ocorrido sem dúvida em 1139, tinham
promovido ao seu rei que tinha entrado na
terra dos sarracenos, oferecendo
uma solene celebração litúrgica, presidida pelo bispo Bernardo e com
sermão pregado pelo arcebispo de Braga, nessa cidade, em dia da Assunpção de
Nossa Senhora, 15 de Agosto de 1139.
Igualmente, quando D. Mafalda chegou, estariam já
fixadas as bases daquilo que haviam de ser as
armas de Portugal, de que, aliás, uma das mais antigas representações se
irá encontrar no selo de uma sua filha, Teresa, a que foi condessa da
Flandres. Elas ainda se ligarão ao acto de Ourique, não ao que a
história/tradição quer que tenha sido, mas ao que efetivamente terá sido. Na
linha de Luciano Cordeiro e, na sua senda, embora por outra via e muito
mais tarde, o marquês de Abrantes, com base na representação do reverso do selo
usado por aquela filha do primeiro rei de Portugal, as armas nacionais seriam
apenas e tão-só a representação do escudo do primeiro rei português, com os
seus pregos na disposição comum e necessária à cravação de uma forte pele a uma
armação de madeira sobre uma carcaça metálica, suporte do bellico e tradicional, escudo em que, muito provavelmente, foi
alçado por rei em Ourique. A ser assim, a rainha Mafalda seria, ela própria,
contemporânea da adopção desses sinais por seu marido, num tempo quase
contemporâneo à sua chegada ao reino de Portugal». In As Primeiras Rainhas, Maria
Alegria Fernandes Marques, Mafalda de Mouriana, 1133?-1158, Círculo de
Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4703-8.
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