Os
Missionários do Padroado Português no Extremo Oriente
«(…)
O monarca João III, que herdara de seu pai, o Venturoso, a noção verdadeira do nosso caminhar, recebendo de
mestre Diogo Gouveia, reitor do Colégio de Santa Bárbara em Paris,
notícias dos jovens companheiros de Loiola que por ali tinham andado em estudos
e em preparação dum grande sonho, logo escreve ao seu embaixador em Roma, Pedro
Mascarenhas, para que este lhe consiga alguns deles para a sua cruzada do
Oriente. Esta carta famosa é de Agosto de 1539.
A Companhia fundava-se oficialmente
pela bula Regimini militanti Ecclesiae,
de Setembro de 1540. O rei de
Portugal era assim o primeiro monarca que ia utilizar os soldados(?) do
grande capitão Inácio de Loiola.
O
nosso embaixador obtém o assentimento de Paulo III para o desejo real,
mas era necessário ouvir aqueles homens que já de há muito se vinham preparando
para o combate sem tréguas à heresia, à descrença, ao infiel, ao pagão. E eles
recebem com verdadeiro júbilo a proposta de Portugal, era a primeira grande batalha
que se lhes oferecia. Dois foram os apontados daquele ainda pequeno grupo, o
português Simão Rodrigues e o castelhano Nicolau Bobadilha. Mas
adoecendo este gravemente, Inácio de Loiola escolhe, para o
substituir, Francisco Xavier, que ao receber a ordem exclama
fora
de si: Pues sus! héme aquí, que o
mesmo era dizer: Aqui me tendes, cheio
de júbilo, por ir servir o Senhor nas 'longínquas paragens do Oriente.
Portugal
recrutava os primeiros obreiros da sua obra. A Companhia, dividida logo de início em Províncias e Vice-Províncias, funda a de Portugal em 1540, a de Goa em 1542, a do Japão em 1549 e a Vice-Província da China
em 1583. Perdido na memória dos
homens da Renascença o esforço
nestoriano e a epopeia incompleta dos franciscanos, abria-se a página de oiro
do primeiro capítulo do cristianismo no Extremo Oriente, a que, sem dúvida,
poderemos chamar, o período português.
Tanto
era para o serviço de Deos a obra de
Portugal que os pontífices, cúpula hierárquica dos reinos cristãos, na
concepção que vinha da Idade Média, não só abençoavam e estimulavam os
nossos esforços na conquista das terras infiéis, como nos deram, em bulas que
se iam sucedendo à medida que avançávamos na descoberta do mundo, a direcção
espiritual desse mundo que não conhecia ou se tinha esquecido da lei de Cristo.
Enorme encargo, justo galardão ao nosso glorioso esforço. Nascia, pouco a
pouco, o Padroado Português. Direcção
espiritual e também exclusivo nas terras descobertas
e por descobrir paru além de todas as regiões que viessem a descobrir. Era a
África, a Índia, a Malásia, a China, o Japão, as Molucas e mais seria se
Alexandre VI não viesse dividir a Terra entre portugueses e espanhóis.
Depois
de 1493 e do Tratado rectificador de
Tordesilhas, onde ganhávamos para o Ocidente, ganhávamos o Brasil,
ainda por encontrar, e perdíamos no Oriente, começam novas rivalidades entre os
dois povos ibéricos que a ambos estimulam num fazer mais e melhor que cobre de
glória Portugal e a Espanha. Foi precisamente um português ao serviço de Castela,
Fernão
de Magalhães, que, ao tentar pela primeira vez a circum-navegação do mundo,
esbarra connosco nos mares do Pacífico. Surge a questão das Molucas, que
afinal se decidiu esportulando
Portugal 350 000 ducados de oiro para os cofres ávidos de Carlos V. Mas a
Espanha não desiste, já tinha informações precisas por Urdaneta, quando prisioneiro
dos nossos em Malaca, das riquezas fabulosas do Oriente. Apesar das
bulas, dos acordos entre os dois países, a tentação era grande demais para
conter o Taciturno do Escorial.
Legazpi recebe ordens para ocupar as Filipinas, onde em 1564 era finalmente hasteado o pavilhão
real de Castela.
O
golpe era de génio, ali podiam os espanhóis, se o pudessem, controlar a nossa
navegação e preparar, como tantas vezes o tentaram, a entrada no Japão, finalmente
o Chipangu
de Polo, que Colombo julgou ter encontrado nas costas atlânticas da América do
Norte, e no vasto Império do Meio. Mas nós já tínhamos construído então, por ali,
os alicerces da nossa obra. Perante a ameaça e as arremetidas espanholas, intervém
a Santa Sé a nosso favor, como era de justiça. Em 1567, pela bula Super specula militantes Ecclesiae,
Gregório XIII, criando a diocese de Macau, estendia-lhe a jurisdição à:
- China, Japão e todas as ilhas adjacentes com as suas fortalezas, vilas, castelos, territórios e distritos, concedendo ao monarca português o Padroado que lhe compete pela fundação e dotação da diocese, o qual não pode ser revogado ainda pela mesma Sé Apostólica, nem ter-se por revogado sem consentimento de Sebastião, rei de Portugal, ou daquele que então o for; e se se revogar doutro modo, tal revogação e suas consequências serão de nenhum efeito, valor e eficácia.
Não
é evidente que ao Padroado
ficámos devendo nesta altura o
termo-nos mantido naquelas regiões, onde já então Macau prosperava?
Assim opina um autor avisado. Mas havia talvez mais, criavam-se nesse momento,
por tão esclarecida decisão pontifícia, as possibilidades de iniciarmos a cristianização
do Extremo Oriente». In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A
Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa
1969.
Cortesia
de Gráfica Imperial/JDACT