terça-feira, 4 de junho de 2013

A Viagem de Bento de Goes à China 1603-1607. Em Demanda do Cataio. Eduardo Brazão. «Em 1567, pela bula ‘Super specula militantes Ecclesiae’, Gregório XIII, criando a diocese de Macau, estendia-lhe a jurisdição à China, Japão e todas as ilhas adjacentes com as suas fortalezas, vilas, castelos, territórios e distritos, concedendo ao monarca português o ‘Padroado’…»

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Os Missionários do Padroado Português no Extremo Oriente
«(…) O monarca João III, que herdara de seu pai, o Venturoso, a noção verdadeira do nosso caminhar, recebendo de mestre Diogo Gouveia, reitor do Colégio de Santa Bárbara em Paris, notícias dos jovens companheiros de Loiola que por ali tinham andado em estudos e em preparação dum grande sonho, logo escreve ao seu embaixador em Roma, Pedro Mascarenhas, para que este lhe consiga alguns deles para a sua cruzada do Oriente. Esta carta famosa é de Agosto de 1539. A Companhia fundava-se oficialmente pela bula Regimini militanti Ecclesiae, de Setembro de 1540. O rei de Portugal era assim o primeiro monarca que ia utilizar os soldados(?) do grande capitão Inácio de Loiola.
O nosso embaixador obtém o assentimento de Paulo III para o desejo real, mas era necessário ouvir aqueles homens que já de há muito se vinham preparando para o combate sem tréguas à heresia, à descrença, ao infiel, ao pagão. E eles recebem com verdadeiro júbilo a proposta de Portugal, era a primeira grande batalha que se lhes oferecia. Dois foram os apontados daquele ainda pequeno grupo, o português Simão Rodrigues e o castelhano Nicolau Bobadilha. Mas adoecendo este gravemente, Inácio de Loiola escolhe, para o substituir, Francisco Xavier, que ao receber a ordem exclama
fora de si: Pues sus! héme aquí, que o mesmo era dizer: Aqui me tendes, cheio de júbilo, por ir servir o Senhor nas 'longínquas paragens do Oriente.
Portugal recrutava os primeiros obreiros da sua obra. A Companhia, dividida logo de início em Províncias e Vice-Províncias, funda a de Portugal em 1540, a de Goa em 1542, a do Japão em 1549 e a Vice-Província da China em 1583. Perdido na memória dos homens da Renascença o esforço nestoriano e a epopeia incompleta dos franciscanos, abria-se a página de oiro do primeiro capítulo do cristianismo no Extremo Oriente, a que, sem dúvida, poderemos chamar, o período português.

Tanto era para o serviço de Deos a obra de Portugal que os pontífices, cúpula hierárquica dos reinos cristãos, na concepção que vinha da Idade Média, não só abençoavam e estimulavam os nossos esforços na conquista das terras infiéis, como nos deram, em bulas que se iam sucedendo à medida que avançávamos na descoberta do mundo, a direcção espiritual desse mundo que não conhecia ou se tinha esquecido da lei de Cristo. Enorme encargo, justo galardão ao nosso glorioso esforço. Nascia, pouco a pouco, o Padroado Português. Direcção espiritual e também exclusivo nas terras descobertas e por descobrir paru além de todas as regiões que viessem a descobrir. Era a África, a Índia, a Malásia, a China, o Japão, as Molucas e mais seria se Alexandre VI não viesse dividir a Terra entre portugueses e espanhóis.
Depois de 1493 e do Tratado rectificador de Tordesilhas, onde ganhávamos para o Ocidente, ganhávamos o Brasil, ainda por encontrar, e perdíamos no Oriente, começam novas rivalidades entre os dois povos ibéricos que a ambos estimulam num fazer mais e melhor que cobre de glória Portugal e a Espanha. Foi precisamente um português ao serviço de Castela, Fernão de Magalhães, que, ao tentar pela primeira vez a circum-navegação do mundo, esbarra connosco nos mares do Pacífico. Surge a questão das Molucas, que afinal se decidiu esportulando Portugal 350 000 ducados de oiro para os cofres ávidos de Carlos V. Mas a Espanha não desiste, já tinha informações precisas por Urdaneta, quando prisioneiro dos nossos em Malaca, das riquezas fabulosas do Oriente. Apesar das bulas, dos acordos entre os dois países, a tentação era grande demais para conter o Taciturno do Escorial. Legazpi recebe ordens para ocupar as Filipinas, onde em 1564 era finalmente hasteado o pavilhão real de Castela.
O golpe era de génio, ali podiam os espanhóis, se o pudessem, controlar a nossa navegação e preparar, como tantas vezes o tentaram, a entrada no Japão, finalmente o Chipangu de Polo, que Colombo julgou ter encontrado nas costas atlânticas da América do Norte, e no vasto Império do Meio. Mas nós já tínhamos construído então, por ali, os alicerces da nossa obra. Perante a ameaça e as arremetidas espanholas, intervém a Santa Sé a nosso favor, como era de justiça. Em 1567, pela bula Super specula militantes Ecclesiae, Gregório XIII, criando a diocese de Macau, estendia-lhe a jurisdição à:
  • China, Japão e todas as ilhas adjacentes com as suas fortalezas, vilas, castelos, territórios e distritos, concedendo ao monarca português o Padroado que lhe compete pela fundação e dotação da diocese, o qual não pode ser revogado ainda pela mesma Sé Apostólica, nem ter-se por revogado sem consentimento de Sebastião, rei de Portugal, ou daquele que então o for; e se se revogar doutro modo, tal revogação e suas consequências serão de nenhum efeito, valor e eficácia.
Não é evidente que ao Padroado ficámos devendo nesta altura o termo-nos mantido naquelas regiões, onde já então Macau prosperava? Assim opina um autor avisado. Mas havia talvez mais, criavam-se nesse momento, por tão esclarecida decisão pontifícia, as possibilidades de iniciarmos a cristianização do Extremo Oriente». In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.

Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT