segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Vida Breve. Poesia. «Da verdade não quero mais que a vida. Sob a leve tutela de deuses descuidosos, quero gastar as concedidas horas desta fadada vida. Nada podendo contra o ser que me fizeram, desejo ao menos que me haja o Fado dado a paz por destino»

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Próximo aos Seus Últimos Dias
Ave da morte, que piando agouros
tinges meus ares de funéreo luto!
Ave da morte (que em teus ais a escuto),
meus dias murcharás, mas não meus louros:

Doou-me Febo aos séculos vindouros,
deponho a flor da vida, e guardo o fruto,
pagando em vil matéria um vão tributo,
retenho a posse de imortais tesouros.

Nome no tempo e ser na eternidade!
Que fado! Ó ponto escuro, assoma embora,
dê-me o piedoso adeus comum saudade:

E rindo-me na campa os dons de Flora,
mais do que eles a adorne esta verdade:
“Lísia cantava Elmano e Lísia o chora”.


Sobre o Mesmo Assunto
Nestóreos dias, que sonhava Elmano,
brilhantes de almos gostos, d'áurea sorte,
pomposa fantasia, audaz transporte,
as asas cerceai do orgulho insano:

Plano de um nume contradiz meu plano,
e quer que se esvaeça, e quer que aborte;
eis, eis palpita, precursor da morte,
No túmido aneurisma o desengano:

Adeus, ó génios que Olisseia admira!
Cantor, que honrastes, honrareis cantores,
versos, pranto lhe dai, que Elmano expira

deixai-lhe a cinza em paz, fatais Amores;
e vós do extinto vate a campa, e lira,
virtudes, que exaltou, cobri de flores!


Ditado entre as Agonias do seu Trânsito Final
Já Bocage não sou!... À cova escura
meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
leve me torne sempre a terra dura:

Conheço agora já quão vã figura
em prosa e verso fez meu louco intento;
musa!... Tivera algum merecimento
se um raio da razão seguisse pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
brade em alto pregão à mocidade,
que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
rasga meus versos, crê na eternidade!

Sonetos de Bocage, in ‘Sonetos’

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