NOTA: De acordo com o original
«(…) Se assim tivesse
acontecido, porventura havia de ler-se agora na carta da península hispânica: Portugal, provinda mais Occidental da
Hespanha. E lê-se: Portugal nação independente e gloriosa por
seus feitos. A terra illustrada pelo mestre de Aviz e por Nuno Alvares
não teria conservado o privilegio de independência com melhor fortuna do que o
reino de Aragão ou a esquecida monarchia de Navarra. Podiam edificar a Batalha
e o velho monumento de João I; esta epopéa cavalleirosa e christan, cinzelada em
pedra, não teria assegurado a liberdade portugueza contra a lei providencial que
pune pela conquista a obscuridade ou a decadência das nações.
Portugal é nação desde o
dia em que saiu a cruzar os mares. Até ali era o colono humilde que lavra ignoto
a estreita gleba patrimonial. Desde então foi o cavalleiro da christandade, o obreiro
da civilisação. Até então era apenas Portugal. D'ali por diante começou a ser Europa,
a ser mundo, a ser heroe, a ser intelligencia, a ser força, a ser luz, a ser liberdade,
progresso, gloria e civilisação. A historia das nações principia e acaba onde ellas
começam e terminam a sua participação nas grandes metamorfoses da humanidade. Uma
nação não são quatro linhas onduladas traçadas n'um mappa geographico para a separar
das outras nações; não é um povo que vive e passa sem deitar de si um brado que
se escute além da pátria; não é um throno, um governo, um patriciado, uma plebe,
uma sociedade que esconde o seu presente entre um passado sem memorias, e um futuro
sem aspirações. Por isso a Polónia desappareceu, e as suas ressurreições são
apenas a rápida tragedia do patriotismo, que lucta desesperado contra a
fatalidade. Por isso a Hungria não pôde desatar os vínculos onde a estreita a monarchia
austríaca. Por isso a Sicilia não pôde jamais consolidar a sua nacionalidade independente.
As nações são os órgãos d'este
grande todo, que se chama humanidade. Ora não ha órgãos supérfluos, estéreis, a
que não deva corresponder uma funcção. Quando a sua missão expira ou a sua inutilidade
é manifesta, a Providencia sentenceia, encarnando na espada do conquistador. É assim
que Veneza, a senhora dos mares, agonisa e desapparece, quando os modernos descobrimentos
tornam mesquinha e obsoleta a actividade maritima e mercantil da republica do Adriático.
É assim que a aventurosa Carthago, ultima representante da civilização phenicia,
empallidece e cae prostrada finalmente aos pés do povo vencedor, que é chamado a
dilatar por mais remotas regiões a conquista e a civiiisação. É assim que as nações
americanas caem, deixando apenas a memoria dos seus nomes e o reflexo dos seus feitos.
É assim que n'este portentoso turbilhão, que se chama a historia da humanidade,
a cidade de hoje será a necropoles do dia seguinte, o monumento de hoje ministrará
as pedras ao monumento de amanhã, a columna gentílica será o pedestal da estatua
de S. Pedro, e a pyramide de Cheops dará sombra ao mameluko e ao fellah.
Está ainda por escrever a
verdadeira historia nacional: ao mesmo tempo historia do povo portuguez, e capitulo
eloquente e memorável da historia da civilisação. É a historia do génio portuguez,
a historia da sua collaboração na grande obra do progresso pelas suas arrojadas
navegações e pelas suas conquistas, se bem que ephemeras, não menos providencialmente
destinadas. O que faz dos Lusíadas um poema venerado no mundo,
não é a belleza dos episódios ou colorido das descripções. Não é a figura tremenda
de Adamastor, ou o vulto sympathico de Ignez; não é a amenidade paradisíaca da ilha
dos Amores, nem a ficção risonha das sereias, que impellem docemente as
naus portuguezas na solidão do Oceano. É que o assumpto é de toda a christandade,
porque é a inauguração solemne da moderna civilisação. Vasco da Gama não tem pátria.
É da Europa toda, e de todo o mundo civilisado.
Os homens que iniciam uma grande transformação na humanidade tiveram o berço n'uma
pátria limitada, mas a posteridade agradecida inscreve-os solemnemente como proceres no livro de oiro da republica universal.
Vasco da Gama pertence á mesma pátria que tem por cidadãos a Colombo, a Newton,
a Galileu, a Raphael, a Watt, a Galvani, a todos estes espiritos illuminados, que
Deus despede de si a espaços, como raios de luz sobrenatural, para doirar as
trevas da humanidade.
É no cyclo das nossas glorias
marítimas, que resplandecem os nomes mais illustres da historia nacional. É desde
estes tempos, que os nomes portuguezes começaram a ser pronunciados com assombro
pela Europa. Desde os primeiros navegadores que se engolfaram no Oceano em demanda
das mais remotas costas africanas até aos derradeiros mareantes, que já na decadência
do nosso esplendor e poderio, ainda legam um nome portuguez a uma ilha ou a um promontorio,
novamente descoberto, que de appellidos illustrissimos, que de glorias venerandas,
que de varões verdadeiramente beneméritos não só da pátria, que é a pátria
estreito circulo para engastar uma grande gloria, mas beneméritos da civilisação
e da humanidade! D'este numero é illustrissimo entre os mais illustres o nome de
Fernão de Magalhães, que hoje representa a nossa estampa.
As empresas arrojadas e aventurosas
de Christovão Colombo e Vasco da Gama foram o signal e o principio de uma serie
ininterrupta de navegações e descobrimentos, que ainda hoje, depois de quasi quatro
séculos, se proseguem com fervor no empenho de implantar a civilisação em toda a
terra, e de completar a geographia.
Desde que, pelos annos 1000 da era christan, o scandinavo Leif
Erik, descobriu a America do Norte, consequência dos primeiros estabelecimentos
norueguezes na Islândia e na Groenlândia até á moderna circumnavegação da fragata
austríaca Novara, desde os imperfeitos
conhecimentos geographicos consignados no Opus majus de Roger Bacon e no Imago
mundi do cardeal francez Pedro d'Ailly ou d'Alliaco, até ás exactas correctas
informações que, ácerca da terra, nos offerece a moderna geographia, decorre uma
successão de empresas, de aventuras e de investigações laboriosas, que é a mais
alta e a mais illustre representação dos progressos da humanidade.
NOTA: Leif, filho de Erik
o vermelho, aportou á America Septentrional, e reconheceu as suas praias desde
o extremo norte até 41º e meio de latitude boreal. Beijarn Herjulfssen havia já
descoberto as costas americanas, sem ter tomado terra no novo continente em 986.
Naddod avistou as costas
da Islândia por meado do século X e Ingolf estabeleceu n'esta ilha o primeiro estabelecimento
scandinavo em 875.
A Groenlândia recebeu uma
colónia islandesa em 983. Till de nordislka landerna maste afven
raknas Islandera, som bebyggdes af Norman. De besoekte, pasina sjoeresor, Gronland
och ett land, som de kaelladde Winland, numera Norra Amerika. De hade salunda
langt fóre Columbi tid upptackt Amerika. Mellin, Sveriges Historia, Stockholm.
1839.
In Latino Coelho, Fernão de
Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a
direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária
Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.
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Portuguesa/JDACT