segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «Não há dúvida de que “Teresa”, a quem a “Crónica Albeldense” do século IX tornava descendente daquele casal, conheceria a existência daquela misteriosa mulher. Uma nobre portucalense que Mauregato iria buscar a Braga»

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«(…) A importância da questão radicava em defender a honra dos seus respectivos reinos, mais do que tentar entender as motivações que pudesse ter tido essa grande mulher para agir como agiu. Era como se, no fundo, nenhuma das duas partes lhe quisesse perdoar outras faltas que ferissem mais o orgulho nacional masculino. Uns, porque tinha sido durante o seu governo que se tinha dado o passo decisivo que afastaria da monarquia hispânica os antigos e prósperos territórios ocidentais a sul do rio Minho. Outros, porque, sendo mulher, se tinha atrevido a amar o poder e a querer conservá-lo o maior período de tempo possível servindo-se dos homens.
Esta rainha, que tinha governado com inteligência, coragem e autonomia durante dezasseis difíceis anos as terras portuguesas, continuava a ser vítima, aos olhos dos seus críticos, dos defeitos femininos de sempre: soberba e paixão amorosa desbragada. A maioria dos seus críticos não vestia hábito religioso, antes cabeção de académico, mas ao julgarem sem considerar os factos, baseados em preconceitos, era como se continuassem a culpar as mulheres pelo pecado de Eva. Talvez os espanhóis tivessem em mente a sua rainha, Isabel de Farnesio, que por esses anos se ocupava em fazer a vida impossível à nora, a infanta Bárbara de Bragança, princesa das Astúrias.
O futuro também não apresentaria grandes progressos na investigação da vida de Teresa de Portugal. Os historiadores preferiram centrar-se na figura do marido, o conde Henrique de Borgonha, em relação a quem a documentação portuguesa é mais escassa. Era um homem lúcido e com notáveis dotes militares que, dadas as circunstâncias, não se mostraria determinado a estabelecer um principado autónomo nas terras portucalenses até três anos antes de morrer. Algo muito diferente, segundo os documentos da chancelaria condal, uma das fontes principais desta obra, daquilo que se pode constatar no caso de Teresa, desde o momento em que, assim que ficou viúva, se responsabilizou pelo governo dessas terras, uma vez que centrou a maior parte das suas acções políticas na franja ocidental da Península.
Porque o destino de Teresa foi sempre estar ligada a grandes homens e tanto foi assim que seriam eles que acabariam por conseguir o protagonismo na História. Num primeiro período, o pai, um rei sagaz esforçado e grande conhecedor das mulheres. Depois, o marido, pertencente a uma das linhagens mais prestigiadas da nobreza medieval europeia, hábil guerreiro e bom mestre de governo, excelente companheiro. Por fim, Afonso Henriques, seu filho, que, herdeiro das melhores qualidades dos seus progenitores, as guerreiras do pai, a inteligência e o pragmatismo da mãe, em grande parte graças a ela se tornaria o primeiro rei de Portugal, mas que, segundo uma lenda, depois da batalha de São Mamede, a mandaria acorrentar no castelo de Lanhoso, onde permaneceria até à sua morte. Sem esquecer, evidentemente, o astuto conde de Trava, orgulhoso, ambicioso e estrangeiro.
É uma visão parcial e distorcida, que deixava de fora um grupo de mulheres vinculadas a Teresa pelo sangue e pelas experiências, ascendentes directas cuja história seria útil conhecer pelo menos resumidamente, para entender como chegou ela a ser o que foi, pois Teresa não foi uma princesa estranha instalada em terras que nada tinham a ver com as suas origens, descendente apenas de infantas navarras, rainhas proprietárias leonesas e, evidentemente, da mãe,
a mui nobre, enigmática, e mui amada pelo rei, Jimena Muñiz, mas provinha também de uma antiga estirpe de mulheres originárias das terras a sul do rio Minho, rainhas bracarenses, povoadoras coimbrãs, fundadoras vimaranenses, condessas portucalenses, que ali tinham habitado desde o século VIII. Antepassadas directas que exerceram a sua influência em territórios que ela elevaria à sua mais alta expressão do ponto de vista político. Um regnum até então inexistente, em que pela primeira vez governaria uma mulher».

As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
De todas as regiões da Península Ibérica durante o domínio romano, a Galiza Bracarense foi uma das que melhor soube conservar a sua herança clássica quando os povos germanos a invadiram. Nela estava situada Bracara Augusta, a actual Braga, cidade na qual a cultura clássica perdurou mais do que noutras, em parte graças ao facto de ter sido uma das capitais eleitas pela Igreja como sede primaz. Por outro lado, a região contava com um bom porto na foz do rio Douro, o que permitiu que o intercâmbio de bens e de ideias prosseguisse.
Bracarense, foi uma mulher que cingiu a coro a régia asturiana no primeiro reino cristão que a Península teve depois da invasão muçulmana, no início do século VIII; era a lendária, mas real, Creusa de Braga, que por volta de 783 casaria com um dos primeiros reis das Astúrias, Mauregato, neto do fundador da dinastia, Pelayo. Não há dúvida de que Teresa, a quem a Crónica Albeldense do século IX tornava descendente daquele casal, conheceria a existência daquela misteriosa mulher. Uma nobre portucalense que Mauregato iria buscar a Braga, sinal da importância que essa cidade revestia aos olhos dos montanheses asturianos». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT