A China e o Cataio. Pequim e Khanbalik
NOTA: Corte do
grão-mogol. O fundador da dinastia descendia, pelo lado materno, de Gengis
Khan. Nos primeiros tempos das nossas missões reinava Acbar (1556-1605),
cujos domínios se estendiam do golfo de Bengala ao oceano Índico, compreendendo
todo o vale do Indo e grande parte do Afeganistão. Esta primeira missão a que
nos referimos (1580-1583) era composta dos padres Rodolfo Acquaviva, italiano
e superior, António Montserrat, espanhol, e Francisco Henriques.
Em
1594 foi o próprio Acbar que pediu
para Goa uma nova missão de jesuítas.
Foi ela constituída pelos padres Jerónimo Xavier, sobrinho do Apóstolo das Índias, o açoriano Manuel
Pinheiro e o irmão Bento de Goes. Em 1600
juntava-se-lhes o padre Francisco Corsi.
«(…)
Só na terceira missão (ver Nota) se procurou resolver definitivamente o
problema apaixonante. As notícias chegavam de todas as partes, pelos mercadores
e pelos missionários da China, havia cristãos perdidos para lá do Himalaia. Seria o Cataio? Mas este, tão
recheado outrora de nestorianos, também começava a ser identificado com a
China, onde se não haviam ainda encontrado os da nossa Fé. De início Ricci
não conhecera cristãos na China: non
ve ne esser nessuno e mai esser là arrivata la lege christiana. No
entanto, mais tarde chegaram ao grande missionário, em 1602, notícias de nestorianos em Suchow, perto de Kanchow, no
actual Kansu. Eram de cor branca, barbudos, tinham igrejas e capelas onde
adoravam o crucifixo e a Mãe de Deus. Que tinham sacerdotes com votos de
castidade. A carta onde Ricci contava estes factos aos incrédulos padres da
Índia sobre a sua identificação deve ter chegado depois da partida de Bento de Goes
para a sua viagem. Duas hipóteses diferentes que era preciso esclarecer.
Do
lado de Goa, a grande alma do empreendimento era o visitador, padre
Nicolau Pimenta (o padre Pimenta nasceu em Santarém em 6 de Dezembro de 1546, entrou na Companhia em 1562. Em 1599 era visitador em Goa, onde morreu em 1614), que incitava os seus ardorosos missionários do grão-mogol na
identificação, os que procuravam cristãos para encontrar o Cataio. Do lado do Império do Meio, Matteo Ricci
levantava já abertamente o problema de que a terra famosa do Veneziano não era
senão a China como anteriormente já o havia dito frei Martin de Rada.
NOTA: A ideia da
identificação do Cataio com a China tem sido geralmente atribuída
a Matteo Ricci. No entanto, já antes dele, o frade espanhol, da Ordem de Sto.
Agostinho, frei Martin de Rada, o tinha afirmado. Na sua Relacion de las cosas de china que
propriamente se llama Taybin, manuscrito incorporado num códex anónimo compilado
em Manila em 1590. Martin de Rada
nasceu em Pamplona em 1533. Tomou o hábito
de Sto. Agostinho em Salamanca aos vinte anos. Partiu depois para o México como
missionário. Em 1564 ofereceu-se para
acompanhar Miguel López Legazpi e frei André Urdaneta na expedição às
Filipinas. Aí exerceu com verdadeiro ardor apostólico o seu mister. Eleito
provincial da sua Ordem empenhou-se em convencer o vice-rei do México na
conquista espanhola da China. Pediu para ir sondar o terreno. Se a ideia tinha
muito de sentido espiritual, havia também a cobiça das riquezas que os
portugueses por ali andavam arrecadando, como constava nas Filipinas.
Finalmente, em 1575 foi enviado ao
Fukien, onde permaneceu dois meses. Dessa visita e contactos resultou o relato
que ele escreveu para conhecimento oficial e onde destacamos a sua ideia da
identificação do Cataio com a China.
Escrevia
aquele para Roma, ao geral Acquaviva, em Outubro de 1596: Ned fine, voglio
scrivere una curiositá che. penso, V. P. et altri si rallegrerá intendere, et è
una congettura che feci, che la città di Nanchino, dove fui l'anno passato,
metropoli e sedia regale antica della Cina, per varie congetture penso essere il
Cataio di Marco Polo... e cosí il Cataio, al mio parere, non è di altro regno
che della Cina. Mais tarde, quando chega a Pequim, o famoso missionário
rectifica a sua primeira hipótese: a China devia ser o Cataio antigo; aquela
esplendorosa cidade, a de Khanbalik, que tanto impressionara o viajante Polo. Mas
assim ainda não pensavam os nossos da Índia. O padre Jerónimo Xavier, sobrinho
do Apóstolo, escrevia de Lahore em 1598, depois da sua viagem ao Kashmir,
três cartas que excitaram os ânimos dos seus confrades e iam empurrar
decididamente o problema até à sua definitiva conclusão.
Os
missionários do Padroado Português, que nunca depararam com dificuldades que não
vencessem, levantavam pouco a pouco o véu deste mistério. Contava Xavier, nas
suas epístolas de 26 de Julho e 2 de Agosto daquele ano, que um velho
mercador maometano dissera ao príncipe Salim, mais tarde imperador, que vinha
de Xambalù ou Cambalù, capital do grande reino de Xatai. Logo o missionário comentava que este nome molti
sembra essere lo stesso che il nostro Catai. Lá estivera 13 anos, dizendo-se embaixador de Casgar. Mais contava
o mercador que os habitantes daquele país distante eram de belo parecer,
brancos de cor, usando longa barba. Que praticavam várias religiões, mas a
maioria eram cristãos. Tinham muitas igrejas, algumas magníficas e todas
adornadas com a Cruz que especialmente veneravam. As crianças eram baptizadas,
os sacerdotes celibatários e vestiam-se como aqueles missionários do mogol. Que
o rei daqueles reinos era também cristão».
In
Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China,
1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.
Cortesia
de Gráfica Imperial/JDACT