segunda-feira, 17 de junho de 2013

“Fernando” António Nogueira “Pessoa”. Cidadão. Poeta. Filósofo. «A espantosa realidade das cousas é a minha descoberta de todos os dias. Cada cousa é o que é, e é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, e quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo»

Teria 125 anos de idade. Nasceu num 13 de Junho
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Trabalho
A inutilidade dos sindicatos
«A sindicação, saída da liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo, com mais segurança. Um sindicato ou associação de classe - comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie - nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória. Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele - parte mínima que se substitui ao todo - não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam) mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e profissionalmente, um mito. Mais incisivamente ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de classe. No caso especial da sindicação na indústria e no comércio, o resultado é desaparecerem todas as vantagens da concorrência livre, sem se adquirir qualquer espécie de coordenação útil ou benéfica. O carácter natural do regímen livre atenua-se, porque surge em meio dele este elemento estranho e essencialmente oposto à liberdade. A vantagem pública da não elevação desnecessária de preços desaparece por completo, pois, por haver sindicato, é fácil a combinação e a frente-única contra o público, e, por esse sindicato ser tirânico, é fácil compelir à aceitação de novas tabelas os profissionais pouco dispostos a aceitá-las. Quanto ao aperfeiçoamento dos serviços comerciais ou industriais, que a concorrência estimula, o sindicato diminui-o na própria proporção em que diminui o espírito de concorrência e, como nunca é dirigido por grandes profissionais, mas por políticos de dentro da profissão, pouco pode animar directamente a técnica da indústria ou do comércio que representa. Nem resulta da acção do sindicato qualquer coordenação útil que compense estas desvantagens todas. Não tendo uma verdadeira base de liberdade, o sindicato não coordena a classe como indivíduos; não tendo nunca uma direcção profissionalmente superior, o sindicato não coordena a classe como profissionais; não tendo outro fim senão o profissional e o económico, o sindicato não coordena a classe como cidadãos». In Fernando Pessoa, Ideias Filosóficas.


Realidade
A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
é a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
e é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
e quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
e todos os meus poemas são diferentes,
porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
e acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
porque o penso sem pensamentos
porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
e eu admirei-me, porque não julgava
que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Fernando Pessoa, in ‘Poemas Inconjuntos / Alberto Caeiro’

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