sábado, 15 de junho de 2013

Jayme Magalhães Lima. Alexandre Herculano. «Bello ermo! Eu hei de amar-te emquanto esta alma aspirando o futuro além da vida e um hálito dos céus, gemer atada a columna do exilio, a que se chama em lingua vil e mentirosa o mundo»

jdact

Fascinação do Ermo
«(…) Não ignorava, quando desceu aos mercados da cidade, nem a fortuna incomparável da solidão nem a profundeza do esqualido tremedal onde ia arriscar a saúde do corpo e a paz do espirito, para estender a mão aos desventurados que n'elle se afogavam; mas incitava-o e arrebatava-o a esperança de levar opulentissimos thesouros aos estranhos que tanta miséria soffriam.

E eu comparei o solitário obscuro
ao inquieto filho das cidades:
comparei o deserto silencioso
ao perpetuo ruido que sussurra
pelos palácios do abastado e nobre,
pelos paços dos reis; e condoí-me
do cortezão soberbo que só cura
de honras, haveres, glorias que se compram
com maldições e perennal remorso.

Oh cidade, cidade que trasbordas
De vicios, de paixões e de amarguras!
……………………………………….
Soberba prostituta alardeiando
os theatros, e os paços e o ruido
das carroças dos nobres recamadas
de ouro e prata, e os prazeres de uma vida
tempestuosa e o tropeiar continuo
de fervidos ginetes que alevantam
o pó e o lodo cortezão das praças
……………………………………….
Braqueado sepulcro, que misturas
a opulência, a miséria, a dôr e o goso
honra e infâmia, pudor e impudecicia

in Poesias

Destroçada a esperança pelos repetidos vendavaes da desillusão, voltava ao ermo a que jurara fidelidade antes de se empenhar no combate.

Bello ermo! Eu hei de amar-te emquanto esta alma
aspirando o futuro além da vida
e um hálito dos céus, gemer atada
a columna do exilio, a que se chama
em lingua vil e mentirosa o mundo.
Eu hei de amar-te, oh valle, como um filho
dos sonhos meus. A imagem do deserto
guardal-a-ei no coração, bem junto
com minha fé, meu único thesouro.

In Poesias

Ao fim de incerta jornada, o peregrino vinha cumprir a promessa que ao partir fizera nos altares da sua crença, da verdadeira pátria dos seus sonhos, onde tinha em recompensa a liberdade.

Feliz ou infeliz, triste ou contente
Livre o poeta seja.

De facto, libertou-se. E, libertando-se, em toda a sua magestade se mostrou, na atmosphera a que anciosamente aspirava, fora d'aquell'outra que o desfigurava pela incessante coacção das suas energias caracteristicas.

Pouco indulgente com a sensualidade, porventura deshumanamente rigoroso com os seus impulsos, a solidão e a vida rural não seriam para Alexandre Herculano isenção de fadigas physicas e desenlace d'aspirações naufragadas, adormecimento de mágoas e repouso n'uma animalidade cuidada, bem mantida, satisfeita e robusta. Não seriam uma festa lauta dos sentidos, por demais castigados da escuridão da cidade, mas uma devoção gratissima do espirito desonerado de temporalidades que o mortificavam, tão pesadas pelo tumulto e pressão ininterrompida, como estereis pela inanidade das consequências moraes. Amando o ermo e procurando-o, não o chamava a delicia pagã; se tanto lhe queria, era por obediência religiosa, porque alli melhor interpretava e cumpria a vontade do Senhor. O sentimento da alegria e equilíbrio no pulsar livre da natureza, a contemplação da harmonia e beleza das formas que por si vivem como divindades independentes e distinctas, só por excepção prenderiam Herculano. E' um accidente raro, muito raro, que elle se quéde com sympathia a escutar nymphas do rio, dryades da floresta e as felizes gentes dos reinos de Apollo. Por duvida teria condescendido em attentar nas crueldades e exaltações orgíacas das estações e dos astros. Se por elle passaram faunos e bacchantes ou lhes suspeitou os folguedos, voltou o rosto descontente; os olhos habituados a luz divina, vinda dos céus, e outra não procuravam, não supportariam fumo e labaredas, ateiados com o sangue e erguidos dos infernos em que penam condemnados.

Cortesia de wikipedia

 Mal sorriu ao carvalho magestoso que encontrou em meio do valle. O quadro captivou-o um rápido instante.

Na primavera
vinham os moços adornar-llie o tronco
de capellas cheirosas de boninas,
e coreias gentis traçar-lhe em roda;

In Jayme de Magalhães Lima, Alexandre Herculano, DD 5369 H4M3, Typographia F. França Amado, (rua Ferreira Borges, 115) Coimbra, 1910.

Cortesia de Typographia França Amado, 1910/JDACT