«(…) O marquês José, que deveras o estimava, recomendava ao marquês de
Pombal, que fazias razias entre as prerrogativas da nobreza: não te metas com o marquês de Marialva!
Poderoso, o marquês tinha corte própria, de fidalgos, padres e militares, e
onde se moviam também uns quantos jovens pajens que, dizia-se, muito alegravam
as luxúrias tardias do velho fidalgo. Legiões de criados preparavam a mesa faustosa
e os seus próprios filhos serviam-no, de joelhos. Como era de uso fazer-se aos
reis. Um desses filhos, Rodrigo José António de Menezes, moço-fidalgo da
Casa Real, mordomo-mor e veador de D. Carlota Joaquina, é exactamente o
pai da dama que atrai as atenções do Príncipe Regente.
Por decreto de 14 e carta de 29 de Novembro de 1802, João agracia-o com
o título de conde de Cavaleiros, em duas vidas. A dele, Rodrigo, já levava
cinquenta e dois anos de percurso e, em vésperas de se submeter às mais duras
provas de dor, de humilhação e de vergonha, pouco mais duraria.
Fuga e perseguição
Ao confirmar-se a gravidez que teme, impossível e impensável numa
menina que é dama da futura rainha, Eugénia de Menezes afunda-se num
pesadelo vivo. As damas que com ela partilham do serviço no Paço não encontram
justificação para o seu estado de abatimento, para as crises cerradas de choro,
para a fuga às perguntas e à ajuda que lhe querem dar. Quando a fidalga evoca o
desejo e o dever de morrer, o seu sofrimento é tão extremo e irreal que a
julgam vítima de um colapso nervoso. O médico da Real Câmara, João Francisco
Oliveira, cujos conhecimentos científicos e modernidade de métodos eram reconhecidos,
entra em cena.
D. Eugénia pede licença no Paço, para recolher a casa do seu irmão mais
velho, Gregório, militar de carreira, e de sua cunhada D. Francisca,
também ela dama de D. Carlota Joaquina.
A liberdade de movimentos do médico, quer na Corte quer na intimidade de D.
Eugénia, foram decisivos para possibilitar a cobertura da sua fuga. A 28 de
Maio, estão longe mas acossados. O intendente-geral Pina Manique, o
homem que tudo sabia em Portugal, quando emite instruções de perseguição ao visconde
de Anadia, ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha é vago e
impreciso, coisa estranha e rara no Intendente:
- ocorrem notícias que [...] o Físico Mor João Francisco Oliveira se intenta transportar com a Senhora que raptou, ou em huma Embarcação Dinamarquesa, ou em outra Sueca denominada Hezard ou em hum Cahique invocado N.S. das Barraquinhas.
Pobre do poderoso Intendente, senhor da fama e das benesses de ser os
olhos e os ouvidos do Príncipe Regente, atarantado com tanta
barraquinha e a ordenar que no cazo que no Rio desta cidade esteja
surta alguma Embarcação de Guerra [...] a queira mandar sahir immediatamente.
Como se os pesados veleiros de Sua Majestade fossem lanchas ultra-rápidas,
capazes de alcançar um barco ligeiro que levava avanço no mar. Era preciso
diligenciar, diligenciava-se. Fosse hoje, e provavelmente alguém nomearia uma comissão
de inquérito. Nada mudou muito neste jardim à beira-mar plantado, quando se
trata de mostrar que algo está a ser feito mas sem pretender exactamente
resolver coisa alguma. Mais certeiro, por certo melhor informado, mas igualmente
lento, foi o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, João
de Almeida de Melo e Castro, 5.º conde das Galveias. Por cúmulo, o
assunto tocava-o pessoalmente, era cunhado da fugitiva, casado com a sua irmã D.
Isabel José de Menezes, senhora de grande beleza e que, à data, rondaria os
vinte e dois anos (casou aos dezassete, o marido era vinte e cinco anos mais
velho).
A 31 de Maio destaca um correio do seu gabinete, Francisco Nunes
Soares, homem da sua confiança, que conhece pessoalmente os fugitivos e os
pode identificar à vista, e envia-o a Cádis, com despachos para o cônsul de
Portugal:
- Tendo fugido desta capital na noute de 26 do Corrente Dona Eugénia Joze de Menezes filha do Conde de Cavalleiros, e Dama Camarista da Senhora Infanta D. Maria lzabel, com João Francisco de Oliveira [...] e sendo este facto alem da mais abominável perversidade, tão ofensivo não só aodecóro da Caza Real, mas, a decencia da Nobre, e distincta familia a que pertencia aquella Fidalga [...] se ponhão em pratica todas as deligências possíveis [...] que elles se apriendão.
As ordens, emanadas do Palácio de Queluz, exigem a prisão dos fugitivos
e o arresto de todos os seus bens». In Eduardo Nobre, Paixões Reais, Quimera
Editores, 2002, ISBN 972-589-081-7.
Cortesia de Quimera/JDACT