terça-feira, 11 de junho de 2013

Uma Rainha Inesperada. D. Leonor Teles. Isabel Baleiras. «Não sabemos o ano nem o local certos onde D. Leonor Teles nasceu. É provável que tenha sido por volta de 1350, em Trás-os-Montes. A sua morte permanece também um mistério. Julgamos que tenha falecido entre l391 e 1410, em Tordesilhas ou em Valhadolid»

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Fernão Lopes, a verdade e a história
«(…) A partir do século XX, alguns historiadores chamaram a atenção para a suposta parcialidade do cronista. Horácio Ferreira Alves, por exemplo, alertou para o facto de as crónicas antigas, em que Fernão Lopes se baseou para escrever a história dos reis antigos, terem desaparecido depois dele. Na sua opinião, este desaparecimento foi intencional, já que a sua existência podia contrariar a verdade, contada por Fernão Lopes. Enaltecer o reinado de João I, cujo filho sustentava o cronista, era imperioso, mas exigia que se deformassem e falsificassem os reinados anteriores, particularmente os de Pedro I e de Fernando I, de modo a que o governo de João I pudesse sobressair e ser aceite como uma tábua de salvação que reerguia Portugal da crise económica e social em que mergulhara no final do século XIV.
Ana Paula Sousa sublinhou a urgência da dinastia de Avis em legitimar as suas origens, a bastardia e o golpe de Estado. Isabel de Barros Dias afirmou que, quanto mais próximo se está dos acontecimentos narrados, mais feroz é, a crítica, embora esta se faça de modo velado, não assumido. Segundo a investigadora, a exaltação dos novos detentores do poder tornava tentador o aproveitamento a partir de figuras marcadas como negativas, tais como Fernando I e D. Leonor Teles. E o que teve a dizer Fernão Lopes sobre este assunto? Obviamente ele não escutou os reparos que sucintamente parafraseámos. Mas no seu Prólogo, à Crónica de D. João I, primeira parte, respondeu já a algumas das questões suscitadas. Ao escrever as crónicas dos reis passados e do rei presente, João I, Fernão Lopes afirmou que a sua intenção não fora escrever um romance ou deturpar os factos históricos, de acordo com as conveniências afectivas e políticas, como tinham feito alguns historiadores de Castela e de Portugal que se haviam desviado da direita estrada e corrido por semideiros escusos. Tão-pouco foi buscar a eloquência do discurso, pois se outros per ventura em esta crónica buscam formosura e novidade de palavras e não a certidão das histórias, desprazer-lhes-á de nosso razoado. O seu objectivo principal foi apenas contar a verdade, qualquer que esta fosse:
  • nosso desejo foi em esta obra escrever verdade sem outra mistura, leixando nos bons aquecimentos todo fingido louvor e nuamente mostrar ao povo quaisquer contrarias cousas da guisa que avieram. Se errar, foi por ignorância e não por vontade de deturpar a história, visto que mentira em este volume é muito afastada da nossa vontade.
Acreditamos que a verdade não é nenhum mito, mas que da mesma realidade surgem sempre diferentes leituras. É uma discussão muito antiga e Fernão Lopes já alude a ela. Na verdade, as fontes em que nos baseamos reflectem normalmente a ideologia dominante, mas não necessariamente a realidade. A equivalência entre facto e relato não existe, porque um é realidade e outro é narração e representação desse mesmo real. Ou seja, melhor dizendo, não há relato, o que há é recriação, construção de uma realidade a partir de outra ou de outras. E neste processo de transmissão da informação entram sempre em jogo diversos factores que se prendem com o tempo, com a motivação e as circunstâncias psicológicas, físicas, sociais e históricas envolventes.
Se, para a actualidade, é difícil ser-se exacto no que se conta ou escreve, para o passado medieval essa questão assume maior relevância, visto que as fontes rareiam e os que morreram já cá não estão para explicar como tudo se passou. No caso da História das mulheres medievais, as dificuldades são ainda maiores, não só porque a informação é geralmente parca e muito pontual, mas também porque quem a produziu foi, na maioria das vezes, um homem. E este, como lembrou mais uma vez Georges Duby, omitiu frequentemente o que se passava no universo feminino:
  • Se nos fiássemos demasiado nas palavras dos homens, correríamos o risco de cair no logro, pensando que a mulher estava destituída de poderes, numa posição de pobreza [...] Quando o véu se levanta, [...] vislumbramos um mundo feminino fortemente estruturado como uma pequena monarquia que exerce a esposa do senhor, a dama, que domina as outras mulheres da casa.
Portanto, resta aos investigadores conhecer as fontes possíveis, relacioná-las, cruzar informações recolhidas com outras emitidas por outros estudiosos e interpretar. A História é uma súmula de muitas interpretações que tem, na sua declaração de intenções, o propósito de estar o mais próximo possível da realidade invocada. E é isso que nos propomos fazer relativamente à vida de D. Leonor Teles: uma representação com base nos diplomas estudados, nas versões dos cronistas, em especial Fernão Lopes, e nas interpretações de muitos. Não sabemos o ano nem o local certos onde D. Leonor Teles nasceu. É provável que tenha sido por volta de 1350, em Trás-os-Montes. A sua morte permanece também um mistério. Julgamos que tenha falecido entre l391 e 1410, em Tordesilhas ou em Valhadolid». In Isabel Pina Baleiras, Uma Rainha Inesperada, Leonor Teles, Círculo de Leitores, 2012, ISBN -978-972-42-4706-9.

Cortesia de CLeitores/JDACT