O Mistério. Cidade de Mistério
«(…) Encorajado por seu
amigo Boudet, Saunière iniciou em 1891 uma restauração modesta, utilizando uma pequena soma
emprestada dos fundos municipais. Durante os trabalhos, removeu o altar-mor,
uma pedra que repousava sobre duas antigas colunas visigóticas. Uma dessas
colunas revelou-se oca. Dentro dela havia quatro pergaminhos guardados em tubos
de madeira selados. Dois desses pergaminhos continham genealogias, uma datada
de 1244 e outra de 1644. Os dois documentos restantes
haviam sido compostos, aparentemente, nos idos de 1780, por Antoine Bigou, um dos predecessores de Saunière
em Rennes-le-Château.
Bigou havia sido
também capelão pessoal da família nobre Blanchefort, que no início da Revolução
Francesa ainda era uma das mais importantes donas de terras da região. Os dois
pergaminhos do tempo de Bigou eram textos virtuosos em latim, extraídos
do Novo Testamento. Pelo menos, aparentavam isso. Em um deles, no entanto, as
palavras se seguiam de forma incoerente, sem espaço entre elas. Várias letras
supérfluas haviam sido inscritas. No segundo pergaminho as linhas eram
truncadas de forma indiscriminada e irregular, algumas no meio de uma palavra, enquanto
certas letras estavam evidentemente levantadas acima das outras. Na realidade,
os pergaminhos continham uma sequência de códigos e cifras, alguns deles
fantasticamente complexos e imprevisíveis. Sem a chave certa, eram
indecifráveis. A seguinte decodificação surgiu em trabalhos franceses dedicados
a Rennes-le-Château, e em dois de nossos filmes sobre o assunto,
realizados para a BBC.
- Bergere pas de tentation. Que Poussin, Teniers gardent la clef. Pax DCLXXXI. Par la croix et ce cheval de Dieu j'acheve ce daemon de gardien a midi. Pommes bleues. [Pastor, nenhuma tentação. Que Poussin, Teniers possuem a chave. Paz DCLXXXI (681). Pela cruz e seu cavalo de Deus, eu completo (ou destruo) este demónio do guardião ao meio-dia. Maçãs azuis].
Se algumas dessas cifras
eram desencorajadoras em sua complexidade, outras eram patentemente, mesmo
flagrantemente,óbvias. No segundo pergaminho, por exemplo, as letras
levantadas, quando tomadas em sequência, formavam uma mensagem coerente.
- A Dagobert roi et a sion est ce tresor et il est la mort. [A Dagobert rei e a Sion pertencem este tesouro e ele está aqui morto].
Embora esta mensagem
deva ter sido compreensível para Saunière, é de se duvidar que ele possa
ter decifrado os códigos mais intricados. Entretanto, ele percebeu que havia
tropeçado em algo importante. Com o consentimento do prefeito da cidade, levou
sua descoberta até seu superior, o bispo de Carcassonne. Não se sabe o quanto o
bispo entendeu, mas Saunière foi imediatamente enviado a Paris, despesas
pagas pelo bispo, instruído a se apresentar a algumas autoridades eclesiásticas
com os pergaminhos. Entre elas estavam o abade Biel, director-geral do
Seminário Saint Sulpice, e seu sobrinho Emile Hoffet, que naquele tempo
estava aspirando à vida religiosa. Embora ainda estivesse nos seus vinte anos,
ele já havia estabelecido uma reputação intelectual impressionante,
especialmente em lingüística, criptografia e paleografia. A despeito de sua
vocação pastoral, ele era sabidamente envolvido com o pensamento esotérico e
mantinha relações cordiais com os vários grupos orientados para o oculto, além de
seitas e sociedades secretas que proliferavam na capital francesa.
Estes contactos
introduziram Saunière em um círculo cultural ilustre, que incluía
figuras literárias como Stéphane Mallarmé e Maurice Maeterlinck,
bem como o compositor Claude Debussy. Ele também conheceu Emma Calvé
que recentemente havia retornado de apresentações triunfantes em Londres e
Windsor. Emma Calvé era como uma diva, a Maria Callas da época. Ao mesmo tempo, era uma grande
pitonisa da sub-cultura esotérica parisiense, mantendo relações amorosas com
vários ocultistas influentes.
Após apresentar-se a Bieil
e Hoffet, Saunière passou
três semanas em Paris. O resultado de suas reuniões com os eclesiásticos é um mistério.
O que se sabe é que o padre provinciano foi pronta e calorosamente recebido no distinto
círculo de Hoffet. Afirma-se mesmo que ele se tornou amante de Emma
Calvé, que, segundo um conhecido seu, ficou obcecada pelo padre. De qualquer modo, não há dúvida de que eles
gozaram de uma estreita e longa amizade. Nos anos que se seguiram, ela o
visitou frequentemente nas vizinhanças de Rennes-le-Château, onde, até
recentemente, podiam-se encontrar corações românticos gravados com suas
iniciais nas rochas das montanhas.
Durante a permanência em
Paris, Saunière passou também algum tempo no Louvre, o que pode explicar
o facto de, antes de sua partida, haver adquirido reproduções de três pinturas.
Uma delas teria sido um retrato, pintado por um artista não identificado, do
papa Celestino V, que reinou brevemente no final do século XIII. Outra teria
sido o trabalho de David Teniers, não se sabe se o pai ou o filho. O terceiro seria
um quadro, talvez o mais famoso, de Nicolas Poussin, Les Bergers d'Arcadie [Os
pastores da Arcádia]».
In Michael Baigent, Eichard
Leigh, Henry Lincoln, O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, 1982, tradução de
Nadir Ferrari, Editora Nova Fronteira, 1993, ISBN: 852-0904-74-2, O Sangue de
Cristo e o Santo Graal, Editora Livros do Brasil, Colecção o Despertar dos
Mágicos, Lisboa, tradução de Elsa Vieira, 2004, ISBN 972-38-2651-8.
Cortesia Nova Fronteira/Livros do Brasil/JDACT