segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Comunas ou Concelhos. História. António Borges Coelho. «O mesmo. Afonso V do foral de Leão que aceita fazer concelhos, todos os concelhos que forem feitos daqui em diante, o Afonso V cuja tutoria se decidira em Córdova, surge-nos na maioridade com o espírito ardente de cruzada»

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Leão e Andaluz
Por que demora a Reconquista?
«(…) Por que demorou tantos séculos a Reconquista quando tudo lhe parecia favorável: afluxo inesgotável de guerreiros francos, domínio do terreno e dos inexpugnáveis maciços montanhosos do Norte e do Centro massas de moçárabes em pleno Estado do Andaluz e até chefes e guerreiros muçulmanos de raiz hispânica, enquanto os afluxos norte-africanos tinham de atravessar o mar?
Se o elemento humano é decisivo, por que demoram as massas moçárabes a pronunciarem-se pelos seus correligionários do Norte e fazem até quase sempre causa comum com os guerreiros do Islão mesmo no campo de batalha? A soma humana dos moçárabes pode medir-se pelos mil e sessenta e seis monges que ainda em 1025 viviam em Córdova e pelos doze mil moçárabes em idade de pegar em armas que se sublevaram em 1125 contra o rei mouro de Granada. Evidentemente, muitos andaluzes mudavam frequentemente de campo religioso, como aconteceu e acontece em todas as épocas e lugares. De quem a bandeira que se aproxima, de quem o hino, o gesto, o chefe? E apagados e sofredores, aí estão os camponeses venerando com mostras externas o novo estandarte espreitando-lhe as fraquezas e as perspectivas. A massa de hispanos que em Toledo seguiam o Islão por volta de 1059 era suficientemente considerável para o asceta toledano Temane ben Afife declarar, referia-se aos crentes que não sabiam árabe: se as vossas obras se expressarem com clareza, não vos danará [condenará] a língua. Por sua vez, os derrotados e espoliados de Lisboa mourisca morriam de fome e de peste rezando: Maria boa! Maria boa!
Os senhores feudais do Norte, em que predominava o alto clero, tinham dificuldade em engolir a originalidade social e as conquistas dos centros urbanos do Sul. Desde os primeiros anos da Reconquista que o objectivo confessado dos bispos neogodos é o de restaurar nos limites variáveis do reino de Leão, a Cidade de Deus de Agostinho a que os bispos hispano-romano-visigóticos haviam dado a forma jurídica do Código Visigótico. Mas a guerrilha inicial e a continuidade do esforço da Reconquista obrigavam a um aumento crescente dos presores livres, embora a iniciativa dos núcleos dirigentes visasse assegurar, na orgânica social, a mão-de-obra servil e para-servil que garantisse o pão e a cevada da Reconquista. Na primeira metade do século XI vemos acentuarem-se os casos de maladia, dilatar-se a grande propriedade dos bispos, mosteiros e nobres, mas ao mesmo tempo ganharem terreno as pequenas comunidades de guerreiros agrícolas.
O mesmo. Afonso V do foral de Leão que aceita fazer concelhos, todos os concelhos que forem feitos daqui em diante, o Afonso V cuja tutoria se decidira em Córdova, surge-nos na maioridade com o espírito ardente de cruzada. Como compreender de outro modo que ele e os seus guerreiros façam preceder o nome do nome-grito de Christus? Esse arder no espírito de cruzada empurrá-lo-á para a besta da morte, oculta pelos muros da muçulmana Viseu.

O cavalo e a mula
Esse fogo de cruzados, alimentado pela ideologia e as presas que proporcionava, ergue a valores elevados as máquinas vivas da guerra, o cavalo e a mula. Enquanto um mouro valia em 1030, no condado portucalense, quarenta soldos, dois cavalos subiram a duzentos soldos, tendo alguns atingido, individualmente em 1047 e 1088, a bonita soma de trezentos soldos. As mulas, indispensáveis animais de carga, capazes de trepar os mais agrestes caminhos, atingiam os mesmos valores enquanto três éguas equivaliam a um cavalo. Este último facto parece provar que não havia em Leão criação organizada e intensiva de gado cavalar. Aliás a agricultura de courela pouco a propiciava. Noutra ordem de troca, enquanto um cavalo se eleva a oitenta moios de trigo, um boi não ultrapassa os catorze moios, três porcos seis moios, subindo a burra com o burrito a vinte e quatro moios». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho, colecção Universitária, Lisboa, 1986.

Cortesia de Caminho/JDACT