Leão e
Andaluz
Por que demora a Reconquista?
«(…) Por que demorou tantos séculos a Reconquista
quando tudo lhe parecia favorável: afluxo inesgotável de guerreiros francos, domínio
do terreno e dos inexpugnáveis maciços montanhosos do Norte e do Centro massas
de moçárabes em pleno Estado do Andaluz e até chefes e guerreiros muçulmanos de
raiz hispânica, enquanto os afluxos norte-africanos tinham de atravessar o mar?
Se o elemento humano é decisivo, por que demoram as
massas moçárabes a pronunciarem-se pelos seus correligionários do Norte e fazem
até quase sempre causa comum com os guerreiros do Islão mesmo no campo de batalha? A soma
humana dos moçárabes pode medir-se pelos mil e sessenta e seis monges que ainda
em 1025 viviam em Córdova e pelos
doze mil moçárabes em idade de pegar em armas que se sublevaram em 1125 contra o rei mouro de Granada. Evidentemente,
muitos andaluzes mudavam frequentemente de campo religioso, como aconteceu e
acontece em todas as épocas e lugares. De quem a bandeira que se aproxima, de
quem o hino, o gesto, o chefe?
E apagados e sofredores, aí estão os camponeses venerando com mostras externas
o novo estandarte espreitando-lhe as fraquezas e as perspectivas. A massa de
hispanos que em Toledo seguiam o Islão por volta de 1059 era suficientemente considerável para o asceta toledano Temane
ben Afife declarar, referia-se aos crentes que não sabiam árabe: se as vossas obras se expressarem com
clareza, não vos danará [condenará] a língua. Por sua vez, os derrotados e
espoliados de Lisboa mourisca morriam de fome e de peste rezando: Maria boa! Maria boa!
Os senhores feudais do Norte, em que predominava o
alto clero, tinham dificuldade em engolir
a originalidade social e as conquistas dos centros urbanos do Sul. Desde os
primeiros anos da Reconquista que o objectivo confessado dos bispos neogodos é
o de restaurar nos limites variáveis do reino de Leão, a Cidade de Deus de
Agostinho a que os bispos hispano-romano-visigóticos haviam dado a forma
jurídica do Código Visigótico.
Mas a guerrilha inicial e a continuidade do esforço da Reconquista obrigavam a
um aumento crescente dos presores livres, embora a iniciativa dos núcleos
dirigentes visasse assegurar, na orgânica social, a mão-de-obra servil e
para-servil que garantisse o pão e a cevada da Reconquista. Na primeira metade
do século XI vemos acentuarem-se os casos de maladia, dilatar-se a grande propriedade
dos bispos, mosteiros e nobres, mas ao mesmo tempo ganharem terreno as pequenas
comunidades de guerreiros agrícolas.
O mesmo. Afonso V do foral de Leão que aceita fazer
concelhos, todos os concelhos que forem
feitos daqui em diante, o Afonso V cuja tutoria se decidira em Córdova,
surge-nos na maioridade com o espírito ardente de cruzada. Como compreender de outro
modo que ele e os seus guerreiros façam preceder o nome do nome-grito de Christus? Esse arder no espírito de cruzada empurrá-lo-á
para a besta da morte, oculta pelos muros da muçulmana Viseu.
O cavalo e a mula
Esse fogo de cruzados, alimentado pela ideologia e
as presas que proporcionava, ergue a valores elevados as máquinas vivas da guerra,
o cavalo e a mula. Enquanto um
mouro valia em 1030, no condado
portucalense, quarenta soldos, dois cavalos subiram a duzentos soldos, tendo alguns
atingido, individualmente em 1047 e 1088, a bonita soma de trezentos
soldos. As mulas, indispensáveis animais de carga, capazes de trepar os mais
agrestes caminhos, atingiam os mesmos valores enquanto três éguas equivaliam a
um cavalo. Este último facto parece provar que não havia em Leão criação organizada e intensiva de gado cavalar.
Aliás a agricultura de courela pouco a propiciava. Noutra ordem de troca, enquanto
um cavalo se eleva a oitenta moios de trigo, um boi não ultrapassa os catorze
moios, três porcos seis moios, subindo a burra com o burrito a vinte e quatro
moios». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho,
colecção Universitária, Lisboa, 1986.
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