«Resumo. Maria Madalena, que serviu e seguiu Jesus de Nazaré, é a mulher mais
citada nos Evangelhos Canónicos. A sua participação nos Evangelhos deu margem a
que ela se tornasse um personagem híbrido, composto de mais duas mulheres.
Esses factos e os textos apócrifos onde ela aparece como a portadora do
conhecimento, gnose, a companheira de
Jesus, e outros atributos que causavam ciúme nos outros apóstolos, foram
importantes para desenvolver a base do gnosticismo. Essa seita expandiu-se com
muita intensidade e diversidade nos primeiros séculos do cristianismo. A Igreja
combateu de forma rigorosa os gnósticos, que ela considerava hereges. É no meio
de um embate como esse, que teve o seu fim no século IV, que Maria Madalena
ainda hoje permite as mais diversas construções literárias.
Introdução
Maria Madalena impõe-se ao tempo. Dentre os que conviveram com
Jesus Cristo, homens e mulheres, é essa mulher desconhecida, porém discutida e
construída através do tempo, que ainda desperta a curiosidade e a fascinação
por sua vida, muitas vezes associada à intimidade do homem que foi Deus aqui na
Terra. No recente e polémico romance O
Código Da Vinci, por exemplo, embora não apresente nenhuma novidade, Maria
Madalena aparece como companheira de Jesus e mãe de uma suposta filha que teria
dado início a uma sagrada linhagem. Mas de onde teriam vindo essas informações
que o autor Dan Brown insiste em revelar
como verdadeiras? Segundo Brown, trata-se de um romance baseado em factos
reais, que foram ocultados pela Igreja. Aí estaria implícita uma resposta.
Seria a Igreja Católica a responsável por esconder dos seus fiéis que Jesus
casara com Maria Madalena e constituiu com
ela uma família? Por que, então, os Evangelhos Canónicos não revelam
esse importante evento? Isso
estaria relacionado com toda a polémica de a Igreja ser ainda hoje uma
instituição cuja direcção está há dois mil anos sob o jugo do poder masculino.
Deixando o problema de género de lado e pesquisando Maria Madalena, encontramos
algumas respostas que podem esclarecer quem foi realmente essa mulher. Todas as
Marias que aparecem nos Evangelhos são reconhecidas por suas famílias:
- Maria mãe de Jesus;
- Maria de Cléofas;
- Maria irmã de Marta e de Lázaro;
- E Maria de Magdala?
Madalena não é sobrenome, provinha de el-Mejdel, que era uma
cidade a noroeste do lago da Galileia, seis quilómetros ao norte de Tiberíades,
lugar onde Madalena pode ter nascido. Pesquisou-se muito essa cidade porque, ao
conhecê-la melhor, poder-se-ia, talvez, ter mais referências sobre Maria
Madalena.
Quem é Maria Madalena
El-Mejdel ou Migdal foi um centro importante de comércio na
sua época, uma rota internacional onde pessoas com religiões e costumes
diferentes se encontravam no mercado. Uma cidade próspera onde era realizado o
comércio de peixe salgado, tecido tingido e diversos produtos agrícolas. Foi
para os padrões da época uma cidade tolerante, na qual conviviam as culturas
judaica e helénica. Em 75 d.C., foi destruída por causa da
infâmia e da conduta licenciosa dos seus habitantes, facto que pode ter
contribuído para alterar o nome e a reputação de Maria Madalena. Ainda hoje há
um letreiro oxidado, próximo ao lago, que informa ao turista que Magdala ou Migdal foi uma cidade próspera ao
final do período do Segundo Templo e foi também a cidade de Maria Madalena, a
qual seguiu e serviu a Jesus.
O nome Madalena deriva, pois, do lugar de origem, a cidade de
Magdala, do hebraico migdal e do aramaico magadala, que significa torre. Do
alto da torre, Maria Madalena viu longe, com a acuidade de visão que se já se
constatou e serviu-lhe para escrutar o sepulcro vazio. Ela tinha olhos para ver o que os outros homens e mulheres, confusos,
não viam. Maria Madalena, pode-se dizer, era de origem judaica, mas não foi
definida como outras mulheres dos Evangelhos Canónicos, ou seja, pela família,
mas por sua cidade de origem. O facto que intriga, e que talvez tenha gerado ao
longo desses dois milénios de cristianismo tantas hipóteses e construções
fantasiosas sobre Maria Madalena, é que ela não aparece como filha, esposa ou
irmã de nenhum homem. Essa independência feminina numa sociedade dominada por
homens tem intrigado muitos pesquisadores.
É no Evangelho de Lucas que Maria Madalena aparece como a
mulher que seguia Jesus e de quem são expulsos sete espíritos malignos. Há um
aspecto interessante nessa passagem, pois não é um demónio, nem uma legião de
demónios que são expulsos, porém sete: Sete
é o número da salvação e do que é divino. São também sete os pecados
capitais: gula, luxúria, ira, orgulho,
vaidade, preguiça e inveja. Se fizermos uma associação dos sete demónios
expulsos por Jesus de Maria Madalena e dos sete pecados capitais, pode-se dizer
que o que houve foi uma total libertação dessa mulher; aconteceu a sua salvação
integral, uma metanóia, não apenas uma conversão. Pecado e possessão demoníaca
eram coisas diferentes. Naquela época, a possessão demoníaca era entendida
essencialmente como uma enfermidade, não acentuava os aspectos morais, não era
considerada como um pecado. Numa interpretação mais literal, pode-se dizer que
aconteceu, naquele momento da expulsão dos sete demónios, não um simples
arrependimento dos pecados, mas a imersão numa vida autêntica e redimida; Maria
Madalena emergiu de uma vida de escravidão para uma libertação.
Mas por que se associa Maria Madalena sempre a uma pecadora
arrependida e não a uma mulher que foi
reconciliada? Pois a Maria Madalena histórica, aquela que está nos
quatro Evangelhos Canónicos, é testemunha do sacrifício, morte e Ressurreição
de Jesus; mulher que seguiu como discípula e serviu a Jesus de Nazaré. Há
exegetas que fazem essa associação, Maria
Madalena/pecadora arrependida, porque há um relato anterior ao episódio da
expulsão dos demónios, em que uma pecadora anónima unge os pés de Jesus na casa
de Simão, o fariseu, e é perdoada por Ele. A proximidade desses factos
favoreceu a associação das duas mulheres, ou seja, Maria Madalena e a pecadora
anónima. Como há, no Evangelho de João, a unção de Betânia, e nele é Maria,
irmã de Marta e de Lázaro, que unge Jesus, as três mulheres tornaram-se apenas
uma: Maria Madalena».
In Wilma Steagall Tommaso, Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas
seitas Gnósticas, Revista Último Andar nº 14,
Junho, 2006.
Cortesia de Revista/JDACT